Título: A elástica matemática da Comissão de Orçamento
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2006, Opinião, p. A12
Inovações importantes introduzidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovadas em agosto do ano passado podem virar letra morta, se o Congresso aprovar o orçamento de 2006 no formato final negociado pelo relator Carlito Merss (PT-SC). Para atender as demandas do governo, de aumentar o salário mínimo para R$ 350 a partir de abril e reajustar os servidores além do que estava previsto na LDO, e os interesses dos parlamentares, a Comissão Mista de Orçamento (CMO) tornou tão elástica a previsão de arrecadação que ela se tornou, como de praxe, uma peça de ficção. A LDO, pela primeira vez, definiu tetos de despesas e arrecadação do governo federal e criou uma política para superávit primário. Segundo a lei, a arrecadação tributária da União, este ano, não poderia exceder os 16% do Produto Interno Bruto (PIB) e a despesa deveria ficar dentro do limite de 17% do PIB. A lei definiu que quando a arrecadação superar o teto dos 16% do PIB, o que ultrapassar esse valor apenas poderá ser usado para reajustar os salários dos servidores civis e militares, ou para investimentos e medidas que tenham por finalidade reduzir a carga tributária do país. O superávit primário, fixado em 4,25% do PIB, passou a ter um mecanismo anticíclico, com possibilidade de variação de 0,25 ponto percentual para mais ou para menos, de acordo com a situação econômica. Apesar de todas essas limitações, o resultado final das negociações para aprovação do Orçamento Geral da União de 2006 prova que, em política, matemática está longe de ser uma ciência exata - e, por isso, qualquer lei é relativa. A proposta orçamentária original, enviada ao Congresso no ano passado, previa arrecadação de R$ 440 bilhões. Em dezembro, a CMO a reviu para R$ 450 bilhões. Em fevereiro, uma segunda revisão aumentou para R$ 458,3 bilhões, ou 17,43% do PIB - 1,43 ponto percentual acima do teto definido pela LDO, ou 1,23 ponto percentual acima do arrecadado em 2005. O auto-anunciado "esforço hercúleo" do relator para atender as demandas de governo e parlamentares e, ao mesmo tempo, "manter" receita e despesas dentro dos limites, resultou em uma verdadeira mágica de números. Dos R$ 8,3 bilhões que excedem a última revisão de arrecadação, R$ 5,25 bilhões foram autorizados pelo Comitê de Receita da CMO a título de adequação da previsão ao valor efetivamente arrecadado em 2005. Isso, e um pouco mais, serão consumidos pelo aumento do salário mínimo superior ao previsto pela LDO. Os outros R$ 3,05 bilhões, também autorizados pelo comitê, são uma espécie de provisão para atender a uma suposta "arrecadação atípica", não contemplada no cálculo matemático de previsão adotado pela CMO. A Comissão considerou que a unificação da Receita Federal com a Receita Previdenciária produzirá um extra de receita. Esse dinheiro que entrará a mais no caixa não pode ser usado em despesa continuada, como pagamento de funcionalismo, e por isso foi direcionada para atendimento das demandas internas do Congresso, as emendas de parlamentares. Do dinheiro extra fabricado pela CMO na primeira e segunda revisões de arrecadação, sobram R$ 9,6 bilhões, que deverão atender, entre outros, aos governadores, que querem no mínimo R$ 5,2 bilhões a título de compensação das perdas decorrentes da desoneração de exportações de produtos primários e semi-elaborados, a famosa Lei Kandir, mas têm chances de levar bem menos do que isso. Resta a previsão para aumento do funcionalismo. Segundo a LDO, o que exceder o teto de 16% do PIB só pode ser usado para aumentar funcionários ou bancar, por exemplo, uma correção da tabela de IR. O reajuste dos servidores vai consumir R$ 3,5 bilhões a mais do que o que estava previsto no Orçamento para isso, que era R$ 1,5 bilhão e isso vai para a conta do excedente de arrecadação em relação ao PIB, sem contrariar uma letra da LDO. O fato é que a elasticidade da lei orçamentária interessa a muitos. Um Orçamento superavaliado contraria a equipe econômica, mas dá espaço aos ministérios para pressionar por mais gastos. Isso também aumenta a disponibilidade orçamentária para emendas parlamentares. Embora seja regra o governo contingenciá-las primeiro, o fato de constarem no Orçamento permite ao parlamentar barganhá-las com o governo. Essa barganha pode tornar-se mais fácil, e seus limites menos rígidos, em um ano eleitoral. Esse é o risco.