Título: Polônia está às vésperas de bonança européia
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2006, Especial, p. A14

UE País deve receber 91 bilhões de euros em ajuda nos próximos sete anos

No inverno glacial de Varsóvia, altos funcionários do governo da Polônia tentam definir como vão poder gastar a enorme soma de 91 bilhões de euros que o país receberá da União Européia (UE) nos próximos sete anos como parte da adesão ao clube europeu. Desse montante, 27 bilhões de euros de subsídios irrigarão a evolução da agricultura polonesa, que emprega 20% da força de trabalho e é dada como uma das ganhadoras da entrada na UE. A Polônia é o maior dos dez países que entraram na UE em maio de 2004. Sua economia está crescendo quase 4% ao ano, duas vezes mais rápido que a média européia. A produtividade aumentou 7,7%, superando a Coréia do Sul. As privatizações renderam US$ 70 bilhões aos cofres públicos. Mas o desemprego e o mal-estar social não diminuíram. A Polônia tem o maior desemprego no Leste Europeu, cerca de 18% - dado que chega a 25% entre os jovens. No total, 20% da população está na linha de pobreza. Quase dois anos após a adesão, o que mais se escuta na Polônia são as queixas contra a União Européia. O novo presidente, Lech Kaczynski, montou uma coalizão antieuropéia e questiona cada vez mais as decisões de Bruxelas. Ele é visto como um bastião dos Estados Unidos na Europa. Sem mencionar os anos pesados sob controle soviético, boa parte dos poloneses reclama da burocracia e de imposições da Comissão Européia, tanto sobre o ritmo das reformas que o país deve passar como sobre as condições para liberar os bilhões de euros no período 2007-2013. Pelo menos no papel, a partir do ano que vem a Polônia receberá dos fundos estrutural e de coesão europeus mais dinheiro que a Espanha, até então o país que mais embolsava ajuda de Bruxelas. Mas o desembolso depende de projetos e de uma série de outras condições, além do combate à corrupção, uma praga que equivale a 14% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo a Confederação de Empresários Privados da Polônia. Mas o premiê Kazimiersz Marcinkiewicz, 47, indica que muitos projetos avançam, não há falta de idéias para fazer bom uso do dinheiro europeu, e que combaterá a corrupção e continuará fazendo reformas. "Aumentamos a segurança do país e o ritmo do crescimento econômico", disse ao Valor, pouco antes de participar de um debate na televisão polonesa, no qual 57% dos espectadores condenaram o governo. Cidades e províncias da Polônia apresentaram até agora quase 3 mil projetos para construir estradas, redes de esgotos, tratamento de água, hospitais, escolas etc. As empresas de construção da parte rica da Europa, que estão pagando a conta da modernização polonesa, certamente vão ganhar as licitações. "Há espaço para todo mundo ganhar dinheiro aqui", avisa Henryka Bochniarz, presidente da Confederação de Empresários Privados da Polônia, enquanto lança um olhar rápido para a tempestade de neve que varre as ruas da capital polonesa. A brasileira Odebrecht já apareceu em busca de uma parte do bolo como subcontratada através de sua subsidiária em Portugal, a Bento Pedrosa, registrada como européia. Nada menos de 70% dos eleitores poloneses aprovaram a adesão à UE. Desde então, a paisagem política mudou. Dois dos partidos que ficaram contra a UE estão hoje na coalizão governamental. O Partido Direito e Justiça (PiS) queria uma referência ao cristianismo no projeto de Constituição européia. O partido populista Samoobrona (autodefesa) é defensor de um país rural, temendo a concorrência européia. Andrzej Lepper, líder desse partido e um ex-lutador de boxe, exige do governo que renegocie o capítulo agrícola do tratado de adesão à UE. Alega que as cotas de produção para açúcar, carnes e leite dadas aos poloneses são pequenas. "Não aceitamos ser punidos, ainda mais quando abrimos nosso mercado", diz. A maioria dos poloneses tem a impressão de ser tratada como cidadãos de segunda classe no trem europeu. Um sentimento que Eugeniusz Somar, presidente do Centro de Relações Internacionais de Varsóvia, explica com base em profundas cicatrizes históricas, psicológicas e étnicas, que passam pela repartição do país entre a Alemanha e a Rússia a até tensões persistentes entre eslavos do leste e os outros europeus ocidentais. Em Lowicz, a 80 km de Varsóvia, o plantador de tomates Zwyk Ireneusz suspira fundo e diz que sua situação piorou. "Com a abertura do mercado, os preços dos produtos caíram até 60%", reclama. "Enquanto isso, recebemos apenas um sexto dos subsídios que os franceses recebem." Para o vice-ministro da Agricultura, Andrej Kowalski, o tratamento discriminatório na UE é uma realidade: "A Espanha e a Grécia obtiveram melhores condições de adesão do que os poloneses", diz. Além disso, os poloneses qualificam de hipocrisia da "velha Europa" as restrições impostas a seus trabalhadores. Somente Reino Unido, Irlanda e Suécia permitiram a livre entrada de trabalhadores dos dez novos membros da UE. No Reino Unido, já são mais de 400 mil poloneses. A tal ponto que pequenos armazéns da periferia de Londres vendem agora até sete tipos diferentes de cerveja polonesa, conta o comentarista Marcin Bosacki, do diário "Gazeta Wyborcza". O salário de jovem bem qualificado na Polônia fica por volta de 500 euros. Na Irlanda, ganha quatro vezes mais trabalhando na construção civil. Mas, em Varsóvia e Cracóvia, vários estudantes e trabalhadores entrevistados pelo Valor mostravam pouco entusiasmo em partir da Polônia. Marek, estudante em informática, planeja passar "no máximo" seis meses no Reino Unido. Mas Ágata, Bascia, Andrjez e outros preferem aguardar oportunidades no próprio país. O famoso medo do "encanador polonês", barato e tomando o trabalho de franceses, ajudou os eurocéticos em Paris a derrotar o projeto de Constituição européia, no ano passado. Agora, no próximo dia 1º de maio, os países da UE devem decidir se retiram as restrições ou se as mantêm por mais três anos. As queixas dos poloneses começam a irritar Bruxelas. Indagado sobre o que afinal Varsóvia dá em troca ao resto da UE, os poloneses ficam perplexos. O intelectual Eugeniusz Somar, após dura reflexão, argumentou que desde a adesão a demanda polonesa teria criado 600 mil empregos no resto da Europa. "Além disso, somos nós agora a fronteira com países instáveis como Ucrânia e Belarus", disse. O que parece estar acontecendo na Polônia, de fato, é uma fatiga após dez anos de reformas dolorosas para o capitalismo. A entrada na União Européia vai impor uma seleção de produtores competitivos na agricultura. A questão é o que fazer com os excluídos, que podem ser mais de 1 milhão de pessoas no setor. O ministro da Integração Européia, Jaroslaw Pietras, conta atrair mais empresas da Europa rica para o mercado polonês. O ministro diz que se Bruxelas barrar a transferência de empresas dentro da Europa, todos perdem porque "o investimento vai para a Ásia". O vice-ministro da Agricultura, Andrzej Kowalski, pede que Bruxelas seja paciente com a Polônia para fazer reformas gradualmente. "Gostaríamos de comprar tempo", diz. É o mesmo tom adotado pela ministra de Finanças, Zyta Gilowska. Ela reclama de pressões exercidas por Bruxelas para o país entrar rapidamente na zona euro, o que exige enorme ajustamento fiscal, por exemplo. "Ainda nem temos a carteira de motorista e já nos pedem para pilotar um helicóptero", compara. O primeiro-ministro Marcinkiewicz promete reduzir a carga fiscal sobre os salários para atrair mais investimentos externos. Mas a Confederação dos Empregadores Privados da Polônia teme que a atual coalizão no poder, pelo seu tom anti-europeu e antibusiness, afaste muita gente a curto prazo, as fricções com Bruxelas aumentem e os subsídios europeus demorem a chegar.