Título: Estatal tem vários processos contra concorrentes
Autor: Juliano Basile e Roberta Campassi
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2006, Empresas &, p. B2

A briga entre a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e as empresas privadas de entregas é antiga, mas só nos últimos anos ganhou um tamanho perturbador - ao menos para as empresas privadas -, quando a estatal decidiu partir para o ataque e abriu mais de 150 processos na Justiça, argumentando que as empresas estavam infringindo a Lei nº 6.538, de 1978, que garante seu monopólio sobre os serviços postais. Do ponto de vista das associações que representam as empresas, e entendem que a Constituição de 1988 eliminou o monopólio da ECT, a estatal age de forma "intimidadora". "O mercado de entregas não se desenvolve porque os Correios não deixam", afirma Marcos Monteiro, diretor executivo da Abraed. Segundo ele, o setor é muito pulverizado, composto por algumas empresas grandes e inúmeras micro empresas. "Quando uma delas começa a se destacar, os Correios entram com ação judicial", diz. Um caso lembrado por Monteiro é o da paulista Logistech, uma das maiores no setor de entregas. Entre outros serviços, a empresa fazia entregas de mala direta e boletos para consumidores de duas grandes empresas de telefonia. Em 2002, a ECT abriu dois processos contra ela (um no Rio de Janeiro e um em São Paulo) pelo fato de realizar as entregas. Diante da situação, a empresa abriu mão desses serviços e diz ter perdido, como consequência, R$ 2,4 milhões anuais em faturamento. Como alternativa, a Logistech começou a prestar serviços de entrega de contas e leitura de consumo para concessionárias de energia, entre elas Eletropaulo, Light e Cemig. Em quatro anos, esse tornou-se o principal negócio da empresa e o número de consumidores atendidos por ela passou de 3,7 milhões para 6,3 milhões. O faturamento também deu um salto de R$ 25 milhões, em 2002, para R$ 42 milhões em 2004 e R$ 67 milhões, em 2005 - e a empresa entrou novamente na mira da ECT. Em abril de 2005, foi notificada extra-judicialmente pela Polícia Federal mas conseguiu liminar para continuar operando. Há outros casos semelhantes. A Flash Courrier, que atua em todo o Brasil, já recebeu dez notificações e há quatro ações contra ela correndo na Justiça, mas conseguiu liminares para continuar operando. A empresa concentra sua operação na entrega de produtos bancários, como talões cheques e cartões, um dos serviços que possui maior rentabilidade e cresce cerca de 20% ao ano, de acordo com o Sineex. Na lista das empresas processadas pela ECT estão a Total Express, que decidiu não entregar produtos bancários para sair da mira dos Correios, e a extinta EBX , que pertencia ao empresário Eike Batista e nasceu para atuar no transporte de encomendas do comércio eletrônico com o plano de se tornar a maior empresa privada do setor. Em resposta à afirmação de que atuam de forma "intimidadora", os Correios respondem que "são obrigados a representar ao Ministério Público os casos de violação do monopólio postal". Afirma que as "providências devidas" cabem à Polícia Federal e ao Ministério Público. Do lado das companhias internacionais, representadas pela Abraec, o assunto "Correios" é quase proibido e nenhuma empresa se manifesta abertamente, nem sobre a atuação da ECT nem sobre o cenário que podem vir a enfrentar caso o STF decida pela manutenção do monopólio da estatal. A Abraec afirma que, num caso extremo, as dez empresas internacionais presentes no Brasil podem perder todo o seu faturamento. No entanto, uma fonte ligada a uma das empresas afirma que a companhia trabalha com a possibilidade de fazer parcerias com a ECT em determinados serviços. A ECT já trabalha dessa forma com a holandesa TNT, que venceu uma licitação em 2001 para operar o serviço dos Correios Sedex Mundi. Uma alternativa possível seria concentrar todos os serviços no transporte de cargas e eliminar a entrega de documentos. Porém, segundo o diretor de relações governamentais da Abraec, Ricardo Brandi, até o transporte de cargas pode ser prejudicado pelo monopólio. "As cargas são levadas com notas fiscal ou fatura, que podem ser entendidas pela ECT como 'carta' e sobre a qual a ECT detém o monopólio", afirma Brandi. É consenso entre as associações e empresas do mercado que os Correios possuem, além de serviços eficientes, a estima dos consumidores brasileiros. "Os Correios são bons e não precisam do monopólio", diz Brandi. Um empresário do setor que não quer ser identificado levanta uma hipótese sobre a razão da insistência por parte dos Correios em manter o monopólio. Segundo ele, se os Correios conseguirem gerenciar todos os serviços postais no Brasil - desde a entrega de uma carta simples no Amapá até a entrega de encomendas expressas no exterior, mais rentáveis - iriam se tornar uma empresa ainda mais preparada para atrair compradores, ou seja, para ser privatizada. Nesse caso, possíveis compradoras seriam as empresas internacionais de grande porte, afirma ele. (RC)