Título: Correios e companhias de entregas disputam mercado de R$ 10 bilhões
Autor: Juliano Basile e Roberta Campassi
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2006, Empresas &, p. B2

Encomendas Ação contra o monopólio estatal foi proposta em novembro de 2003 no STF

Os Correios estão a dois votos de garantir a manutenção do monopólio para os serviços postais, num julgamento que pode significar um verdadeiro retrocesso para as empresas privadas que querem atuar neste mercado. Dos onze ministros do STF, quatro entendem que o monopólio deve ser mantido para cartas e as chamadas "correspondências agrupadas" (objetos anexados a cartas). Mas eles vão além e querem ampliar o monopólio dos Correios para as remessas de correspondências e pacotes para o exterior. Do outro lado, apenas dois ministros foram a favor da abertura do mercado. Com o placar em quatro a dois, faltam apenas mais dois votos, entre cinco restantes, para os Correios saírem vitoriosos na ação. O julgamento não foi concluído porque a ministra Ellen Gracie pediu vista do processo em novembro passado. Não há expectativa de que o caso seja julgado nas próximas semanas, quando a prioridade do STF serão os pedidos de vista feitos pelo presidente da Corte, Nelson Jobim, que anunciou aposentadoria para março e terá de "limpar a gaveta". Com a aposentadoria de Jobim, Ellen assumirá o comando do STF. Isso significa que a ministra terá outras importantes tarefas, além de preparar o seu voto sobre o monopólio dos Correios. A perspectiva de um julgamento no médio ou longo prazo não é ruim para as empresas. Os votos dados até aqui foram, em sua maioria, bastante desfavoráveis à pretensão de se abrir o mercado. Agora, as empresas terão mais tempo para tentar uma reviravolta no tribunal. A ação contra o monopólio dos Correios foi proposta em novembro de 2003 pela Associação Brasileira das Empresas de Distribuição (Abraed), que disputa um mercado que movimenta um valor estimado de R$ 10 bilhões por ano. Sozinhos, os Correios faturaram R$ 8,5 bilhões no ano passado, em comparação com os R$ 7,6 bilhões que movimentaram em 2004. Já as empresas privadas nacionais movimentam em torno de R$ 1,2 bilhão, segundo o Sindicato Nacional das Empresas de Encomendas Expressas (Sineex). A ação foi proposta diretamente ao STF porque a maior barreira à abertura do mercado de remessas postais está, hoje, na Constituição. Os quatro ministros que votaram contra o fim do monopólio dos Correios fizeram a leitura do artigo 21 da Carta que diz que compete à União manter o serviço postal e o correio aéreo nacional. "Não tenho dúvida de que o serviço postal é um serviço público", disse, ao votar, o ministro Joaquim Barbosa, citando o artigo. "O conceito de serviço público é histórico e constitucional, daí a Constituição ter atribuído à União a responsabilidade e garantia do serviço como elemento de integração nacional", completou Cezar Peluzzo. Ao todo, votaram pela manutenção dos serviços postais aos Correios os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluzzo e Gilmar Mendes. Já os ministros Marco Aurélio Mello e Carlos Ayres Britto entenderam que é possível a maior abertura de mercado. Para Marco Aurélio, a expressão "manter" não significa monopólio, mas o dever de o estado garantir a manutenção dos serviços postais enquanto as empresas privadas não tiverem o interesse de explorar o serviço em todo o país. Ellen Gracie, Vice-Presidente do Superior Tribunal Federal: ministra pediu vista do processo em novembro de 2005 "As razões que determinaram o monopólio dos Correios há anos não mais existem diante das inovações tecnológicas e da tendência, firmada a partir da década de 80, de o estado se retirar da atividade econômica", disse Marco Aurélio. Carlos Britto afirmou que a correspondência "exclusivamente mercantil" não estaria alcançada pelo monopólio previsto na Constituição. Foi um voto favorável às empresas privadas, pois abriu a possibilidade de competição nesse serviço. Mas, Britto e Marco Aurélio são ministros que costumam ser vencidos nos julgamentos importantes do STF. O Valor procurou a direção dos Correios que informou, por sua assessoria, que a "exclusividade" (os Correios não usam a palavra "monopólio" que tem uma conotação pejorativa) que eles possuem para prestar os serviços postais não é uma reserva de mercado. Trata-se de uma condição para a "universalização" dos serviços postais no Brasil. Ou seja, a reserva é necessária, segundo os Correios, para que exista o serviço em municípios de difícil acesso e de baixa população. Os Correios calculam que existem 30 milhões de brasileiros sem o devido atendimento postal. São moradores de cidades com menos de 500 habitantes. Por isso, argumentam que a exclusividade é necessária. A estatal compara a sua situação com o setor de telefonia. Mas, enquanto as companhias telefônicas têm o Fust - o fundo destinado a financiar o desenvolvimento do serviço de telefonia em áreas remotas do Brasil - os Correios não possuem um fundo deste tipo. É a Empresa de Correios e Telégrafos que investe sozinha na expansão do serviço para essas regiões. Apesar da tendência favorável à manutenção do monopólio, o julgamento ainda está em aberto no STF. Caso as empresas privadas sejam derrotadas, a abertura de mercado dependerá de emenda à Constituição. Na opinião de Marcos Monteiro, diretor-executivo da Abraed, e Antonio Juliani, diretor do Sineex, se a causa no STF for perdida, o cenário para as empresas privadas será bastante desanimador. "Metade irá falir e a outra metade terá que reduzir muito os serviços que prestam", afirma Juliani. Grande parte do mercado é formada por empresas de micro e pequeno porte, que fazem, na maioria, entregas de documentos e pequenas encomendas. Segundo a lei de 1978, os Correios tem monopólio sobre as cartas, que são definidas como quaisquer correspondência contendo informação de interesse do destinatário. "O problema é a definição do que constitui uma 'carta', que é muito ampla", afirma Monteiro. Na hipótese de manutenção do monopólio, os Correios poderiam proibir definitivamente serviços de entrega de talões de cheque, cartões de crédito, faturas, notas fiscais e de quaisquer objetos que sejam transportados com esses documentos. As empresas também argumentam que os Correios não teriam condições de absorver toda a demanda por serviços de entrega, caso a manutenção do monopólio saia vencedora. "O mercado teria então que se adaptar a uma menor oferta de serviços, o que é um retrocesso", diz Juliani. Do lado das empresas de transporte de carga internacionais (como FedEx e DHL), as perspectivas também são ruins. Segundo Ricardo Brandi, diretor de relações governamentais da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Internacional Expresso de Cargas (Abraec), as companhias poderão perder todo o seu faturamento, que é de US$ 120 milhões por ano, provenientes de correspondências e cargas enviados ao exterior. Além disso, Brandi argumenta que o ritmo das exportações poderia ficar mais lento, já que as companhias internacionais não poderiam fazer entregas no Brasil e as encomendas provenientes do exterior teriam que chegar aos país por meio de correios estatais. "Poucos correios no mundo têm eficiência", diz Brandi.