Título: Conselho derruba autuações contra economia de tributos
Autor: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2004, Brasil, p. A-4

O Conselho de Contribuintes está derrubando as autuações fiscais em que a Receita Federal apontou supostos planejamentos tributários. Os conselheiros entendem que, se as operações são legais e existiram de fato, elas não podem ser alvo de autuação fiscal. A interpretação vale mesmo que a empresa tenha implementado uma série de operações para reduzir a carga tributária de um determinado negócio. Entre os processos já analisados pelo Conselho estão operações conhecidas no mercado como "blue chips swaps" e "incorporação às avessas". O entendimento do Conselho tem sido aplicado tanto em casos em que a fiscalização alegou simulação como em autuações em que se tentou aplicar a chamada lei antielisão, norma que teve como principal alvo o planejamento tributário. Empresas como a RBS Participações, o atacadista Martins e a Cooperativa Mista Itaquiense (Camil) obtiveram decisões favoráveis do Conselho. Uma das primeiras manifestações do Conselho sobre a aplicação da chamada lei antielisão aconteceu num processo originado de autuação fiscal contra a Cooperativa Mista Itaquiense Ltda (Camil). A norma antielisão, prevista pela Lei Complementar n 104/2001, permite à Receita desconsiderar operações que só tenham tido como objetivo a redução de carga tributária. No caso da Cooperativa, a polêmica com o fisco envolve o valor sobre o qual a empresa deveria recolher IR e CSLL numa operação de venda. Mais especificamente, sobre a venda dos 50% de participação que a cooperativa tinha na empresa Camil Alimentos. A cooperativa pagou os tributos sobre R$ 1,2 milhão. Para a Receita, ela deveria ter calculado o IR e a CSLL sobre R$ 12,697 milhões. O investimento original da cooperativa na Camil Alimentos era de R$ 12,608 milhões. Segundo a Receita, a participação societária foi vendida para a empresa Rice S/A por R$ 25,305 milhões. A fiscalização considerou que o lucro deveria ser a diferença entre o valor de venda - R$ 25,305 milhões - e o investimento inicial - R$ 12,608 milhões. O Fisco alegou que, em vez de fazer uma simples venda direta à Rice, a cooperativa teria implementado em 1997 e 1998 um conjunto de operações com o objetivo de reduzir o lucro apurado. Segundo a Receita, a Rice fez um aporte de capital na Camil Alimentos. O efeito prático da integralização foi a alteração de participações societárias na Camil Alimentos. O valor do investimento da cooperativa na Camil Alimentos, atualizado por meio de equivalência patrimonial, aumentou de R$ 12,608 milhões para R$ 24,106 milhões. Por isso, quando houve a venda da participação acionária à Rice, a cooperativa apresentou um lucro de apenas R$ 1,199 milhão (a diferença entre os R$ 25,305 milhões da venda e os R$ 24,106 milhões de investimento). Em decisão relatada pela conselheira Sandra Maria Faroni, a Primeira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes considerou que "não há dúvida de que as operações, tal como praticadas, tiveram por objetivo diminuir o ônus tributário." A Câmara entendeu, porém, que todos os cálculos estavam de acordo com a legislação, as operações realizadas eram lícitas e estavam perfeitamente documentadas. A advogada que representa a cooperativa, Sônia Maria Albrecht Kraemer, do De Rosa Siqueira Advogados, diz que, no caso, não houve planejamento tributário. Segundo ela, houve realmente um interesse de investimento na Camil Alimentos por parte da Rice S.A. "A linha de defesa foi na demonstração de que houve, de fato, um terceiro investidor na operação." Sônia lembra que a cooperativa conseguiu derrubar a autuação fiscal já na primeira instância e a decisão foi mantida pelo Conselho de Contribuintes. Outro caso no qual os conselheiros discutiram a norma antielisão foi o da RBS Participações S.A. A fiscalização autuou a empresa em operações que ela considerou como "blue chips swaps". A Receita alegou que a empresa, antiga Caboparbs Participações S.A., adquiria, em empréstimo, notas do tesouro dos Estados Unidos (T-Bills) de uma de suas empresas controladas, a Caboparbs Ltd, com sede nas Ilhas Cayman. A empresa brasileira, diz a autuação, vendia os títulos a outras empresas do país e recebia valores em reais como pagamento. O pagamento do mútuo era feito com outros títulos ou por depósito em reais em contas CC-5,diretamente efetuado pela Caboparbs Participações S.A. em nome de sua controlada Caboparbs Ltd. Como todas as operações eram feitas no mesmo dia, a fiscalização entendeu que o mútuo e a venda dos títulos representavam operações de câmbio e, por isso, deveriam ser tributadas pelo Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A Primeira Câmara do Segundo Conselho de Contribuintes decidiu que as operações realizadas pela empresa "são todas válidas e eficazes". Por isso, diz a decisão, ainda que se possa alegar que as operações foram usadas indiretamente para internalizar recursos captados em moeda estrangeira é necessário que exista previsão legal para desconsideração de seus efeitos para fins de tributação. De forma semelhante ao caso da Camil, o Segundo Conselho também concluiu, no processo da RBS, que a norma antielisão não pode ser aplicada antes de sua regulamentação e não pode ser usada para casos anteriores à 2001, quando foi editada a lei. O vice-presidente da RBS, Afonso Motta, diz que a empresa teve dois casos sobre o assunto julgados no Conselho de forma favorável à empresa. "Ficou claro no conselho que a operação blue chips swap não representa uma operação de câmbio e por isso não deve ser tributada pelo IOF." Outra operação analisada pelo Conselho foi a do atacadista Martins que realizou a chamada incorporação às avessas, na qual uma empresa deficitária incorpora a lucrativa. A vantagem dessa operação é que, dessa forma, os prejuízos acumulados da empresa deficitária podem ser utilizados após a incorporação. No formato inverso, em que a lucrativa incorpora a deficitária, os prejuízos fiscais são perdidos. A fiscalização entendeu que a incorporação foi simulada e abusiva. O tributarista Vinicius Branco, do Levy e Salomão, escritório que representa a Martins no processo, diz que a atacadista tinha há mais de dez anos, em seu grupo, uma empresa de transportes deficitária. "A companhia decidiu fazer uma reestruturação societária para racionalizar o fluxo operacional. A idéia foi extinguir uma sociedade que não fazia sentido. Na hora de fazer a reestruturação, a campanha procurou utilizar o formato que trouxesse maior vantagem tributária", defende Branco. "Houve a aplicação de um planejamento sobre uma reestruturação societária que teve fundamentação econômica", argumenta. "É diferente de uma situação em que a empresa adquire uma companhia deficitária com o único intuito de fazer com que ela incorpore operações lucrativas." Na decisão da Martins, o Conselho concluiu que a "incorporação às avessas" não é proibida pela legislação e quando realizada entre empresas que sempre estiveram sob controle comum, não pode ser qualificada como operação simulada ou abusiva. O consultor Luís Rogério Farinelli, do escritório Machado Associados, diz que o Conselho tem validado muitos planejamentos ainda utilizados pelas empresas. Para o consultor Pedro César da Silva, da ASPR Auditoria e Consultoria, os julgamentos devem dar maior tranqüilidade para as companhias que resolverem adotar essas operações, já que estabelecem os limites da aplicação da lei antielisão.