Título: Após vitória casuística, Préval terá a missão de reconstruir o Haiti
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2006, Internacional, p. A13

Uma decisão casuística da Comissão Provisória Eleitoral do Haiti, que descartou os votos em branco, garantiu mais de 51% dos votos válidos ao candidato favorito nas eleições presidenciais do país, René Préval, que foi confirmado como ontem o novo presidente. A decisão encerrou quase cinco dias de constrangimento para autoridades haitianas e internacionais e de tumultos causados por partidários de Préval. E abre uma nova fase na vida política do país, segundo comemorou o governo brasileiro, que participou ativamente da articulação para a posse de Préval. " Isso reforça a necessidade de termos a cooperação da comunidade internacional para essa nova fase em que entra o Haiti " , disse o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Ele anunciou a realização, nos próximos dias, de uma reunião para discutir formas de ajuda econômica e financeira ao país, com representantes do Banco Mundial e dos países interessados na solução da crise haitiana. O Haiti é o país mais pobre do continente e está sem governo efetivo desde a saída do presidente Jean-Bertrand Aristide, em 2004. O Brasil mantém 1.213 soldados no país. As forças de paz da ONU, sob comando brasileiro, devem continuar no Haiti até que o futuro governo tome o controle da situação. Cauteloso, Amorim lembrou que ainda não está definido o quadro político, pois haverá segundo turno das eleições legislativas, de onde sairá o Congresso que elegerá o futuro primeiro-ministro. Préval afirmou querer um governo de composição com as principais forças políticas do Haiti. Essa disposição foi comemorada por Amorim, que, em conversa telefônica com o novo presidente haitiano, ouviu de Préval que ele quer visitar o Brasil, antes da posse. A decisão de distribuir proporcionalmente aos candidatos os votos em branco foi tomada pela Comissão Eleitoral sob pressão dos protestos populares, após consultas aos governos do Brasil, França, Estados Unidos e Chile, à OEA e à ONU. Isso permitiu que Préval passasse, dos quase 49% dos votos válidos, para 51,15%. Com isso, ele venceu já no primeiro turno. O segundo candidato mais votado ( " terceiro, abaixo dos votos nulos e brancos " , lembrou Amorim), Leslie Manigat, acusou a Comissão Eleitoral de ter praticado um " golpe " e manipulado ilegalmente as " estatísticas " para dar a vitória a Préval. Ele anunciou sua saída da vida política e desejou sorte ao país e ao novo presidente. As queixas foram interpretadas, no governo, como uma saída honrosa do candidato, que recebeu visita do embaixador brasileiro no Haiti, nos dias que antecederam a solução encontrada, e foi alvo de gestões políticas do assessor da Presidência, Marco Aurélio garcia, que tem bom contato com a Democracia Cristã, à qual pertence Manigat. Amorim e outras autoridades internacionais envolvidas nas negociações no Haiti se esforçaram ontem para conferir legitimidade à decisão que garantiu a vitória de Préval, num país ainda fortemente afetado pela criminalidade e instabilidade política. " Não há dúvida de que ele seria eleito no segundo turno " , disse Amorim, ao lembrar que a demora na confirmação de Préval poderia agravar os tumultos, já que seus partidários temiam fraudes na apuração. O ministro parabenizou as forças militares sob o comando do general José Elito Siqueira, a quem também telefonou ontem. " Ele me disse que não se quebrou uma vidraça. " A necessidade de uma solução explorando " brechas da lei " , como reconheceu Amorim, prejudicam o esforço internacional para dotar o Haiti de um governo forte e capacitado a restaurar a atuação da administração pública. Amorim anunciou que o governo brasileiro, coordenador dos esforços de paz no Haiti, está otimista com a " abertura " demonstrada pelas forças políticas locais para assegurar apoio ao futuro governo Préval.