Título: Exportadores miram mercados emergentes
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 20/02/2006, Brasil, p. E2

O assunto nem era um dos principais da pauta do Conselho de Desenvolvimento Industrial, reunido no Palácio do Planalto, na semana passada. Mas chamou a atenção dos integrantes do conselho pelo pragmatismo e pela veemência com que foi defendido pelo ex-ministro da Agricultura Marcus Vinicius Pratini de Moraes, hoje presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). Em resumo, disse Pratini: a grande aposta dos exportadores não está nos mercados tradicionais, dos EUA e Europa, mas nos chamados emergentes, o antigo terceiro mundo. Pratini não defendeu o abandono de mercados como o americano, que, embora cresçam proporcionalmente menos que os demais, hoje em dia, ainda são os maiores, e gigantescos, em termos absolutos. Os EUA, sozinhos, compraram US$ 22,5 bilhões em mercadorias brasileiras em 2005, deixando um saldo de US$ 9,8 bilhões em favor do Brasil no comércio bilateral. Com a União Européia, o comércio chegou a US$ 26,5 bilhões, e o saldo na balança comercial, a US$ 8,4 bilhões. "Claro que temos de continuar perseguindo a abertura na Europa, Japão e Estados Unidos, que compram produtos de maior preço e qualidade, mas não é lá que o nosso mercado realmente aumenta", argumenta Pratini. "Nossa aposta, do agronegócio, dos exportadores de matérias-primas e de vários segmentos industriais está nos emergentes, que são os que mais crescem". Pratini lembra que, em 1990, cerca de 80% das exportações do agronegócio se dirigiam ao Japão, à União Européia e aos Estados Unidos, que hoje absorvem 48% das vendas externas do setor. "No fim dessa década estaremos exportando 75% a 80% aos mercados emergentes", comenta. É, segundo avalia, o reflexo da "grande mudança na geografia econômica do mundo." Pratini sugeriu aos membros do Conselho maior atenção e foco nesses mercados emergentes, países como Rússia, Índia, China, Indonésia, Filipinas, Egito, Nigéria, as nações árabes do Conselho de Cooperação do Golfo, Venezuela e Colômbia. A sugestão impressionou aos participantes da reunião, mais acostumados a ouvir de representantes do setor agrícola críticas à política "terceiro-mundista" do Planalto e à paralisia nas negociações com americanos e europeus. Para ex-ministro da Agricultura, as mudanças que ocorrem independem do sonho do governo Lula, de mudar a geografia do comércio mundial. Essa geografia está mudando com a estagnação econômica no mundo desenvolvido e o crescimento acelerado dos países em desenvolvimento. Uma indicação é a evolução das vendas do Brasil aos mercados emergentes, como mostra a tabela abaixo.

Potencial é maior longe dos países ricos

"Nosso maior mercado hoje para a carne bovina é a Rússia, o segundo maior comprador é o Egito, e o terceiro, o Chile", enumera Pratini. "O maior comprador de soja e carne suína é a China". O aumento de renda da população resultante do crescimento acelerado provoca um consumo voraz de alimentos e matérias primas exportadas competitivamente pelo Brasil. "Não me interesso por política, ideologia. A questão é que a maioria desses países, com o aumento da renda, não tem condições de suprir de alimento a população", argumenta o presidente da Abiec, ao pleitear maior atenção do setor privado às estratégias de comércio com esses países, muitos deles ainda sujeitos a pressões políticas e corrupção. Pratini é pessimista com os mercados consolidados da Europa e Estados Unidos. "Só na Dinamarca, quatro ministros têm propriedades agrícolas subsidiadas", enumera. Um caso notável de mercado antes pouco representativo é a Índia, país que, como lembra o pesquisador Pablo Bustelo, do site Nueva Mayoria, cresce 8% ao ano desde 2003 (o segundo maior crescimento do mundo, atrás só da China), e que poderá ver o consumo privado crescer de US$ 300 bilhões anuais em 2005 para US$ 400 bilhões até 2010. Há sombras sobre a economia indiana, entre elas a do superaquecimento, inflacionário. Mas são notáveis os aumentos da taxa de investimento e poupança locais. E o Brasil tem aproveitado a maior integração indiana ao mundo: de 2001 a 2005 a alta nas vendas para a Índia foi de espetaculares 298%. A Índia é um dos alvos da diplomacia comercial, que planeja, para o dia 9, em Buenos Aires, uma videoconferência entre autoridades indianas e do Mercosul, destinada a identificar mercadorias candidatas à ampliação do atual acordo de redução de tarifas, que beneficia pouco menos de mil produtos. Não é fácil: os indianos querem menores tarifas para bens como fármacos e têxteis, de enorme sensibilidade no Mercosul, e os interesses do agronegócio brasileiro assustam os agricultores indianos. O Brasil sonha vender para lá mais óleo de soja e suco de laranja, por exemplo. Avançam, também, negociações com a área aduaneira liderada pela África do Sul e com o Conselho de Cooperação do Golfo. Manifestações como a de Pratini e a crescente presença de empresários nas missões comerciais do governo podem conferir maior apoio à estratégia da diplomacia comercial do Brasil e, quem sabe, estimular iniciativas para maior conhecimento desses mercados.