Título: Economista era controverso no meio acadêmico
Autor: Francisco Góes e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2004, Especial, p. A-15

Celso Furtado foi o economista de maior repercussão internacional que o país já teve e até hoje é reverenciado como um pensador original e inovador, mas sempre foi uma figura controversa no meio acadêmico. Seu método de pesquisa foi alvo de críticas dos colegas freqüentemente e muitas de suas idéias parecem fora de moda para as novas gerações. Sua influência é inegável. Há dois anos, um levantamento feito pelos economistas João Victor Issler, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e Rachel Couto Ferreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encontrou 722 citações a Furtado em revistas acadêmicas estrangeiras editadas a partir da década de 40. A importância de muitas das publicações que deram atenção às idéias de Furtado é discutível, mas nenhum outro economista brasileiro alcançou uma audiência tão ampla no exterior. O segundo economista brasileiro com mais citações, Edmar Bacha, hoje diretor do banco Itaú BBA, recebeu 303 menções, conforme a pesquisa de Issler e Ferreira.

A obra mais importante de Furtado, "Formação Econômica do Brasil", foi publicada em 1959. É um estudo histórico que analisa a evolução da economia brasileira da época colonial até as primeiras décadas do processo de industrialização. Ele propôs novas maneiras de ver e interpretar o desenvolvimento econômico do país. O livro é considerado um clássico até hoje por causa do impacto que teve na época, mas muitos especialistas o consideram imaginativo demais, impreciso e pouco rigoroso. Sua explicação para o avanço da indústria na década de 30, que despreza o papel dos lucros obtidos pelos exportadores de café antes da Grande Depressão, é considerada frágil hoje em dia. Apesar disso, Furtado deu contribuições relevantes para o pensamento econômico e a compreensão do Brasil. Uma delas foi a atenção aos processos históricos que acompanham os fenômenos econômicos. Outra foi a relação que estabeleceu entre crescimento e distribuição de renda. Uma terceira foi a idéia de que a imitação de padrões culturais estrangeiros pela elite nacional reforça o atraso de países como o Brasil. Furtado publicou 31 livros em mais de 15 idiomas. Há alguns anos, o economista Ricardo Bielschowsky, um estudioso do pensamento de Furtado, calculou que sua obra impressa alcançaria 2 milhões de exemplares se fossem somadas todas as traduções e reedições. Muitos dos seus escritos têm um caráter político e quase filosófico, que os distancia da maior parte da produção acadêmica atual. Furtado nunca foi um economista do tipo que se preocupava em analisar os fenômenos com gráficos e equações. Como Bielschowsky observou num artigo recente, sua obra teve motivação política e representou o esforço de um intelectual mais interessado em orientar os brasileiros a agir para transformar a realidade à sua volta. Formado numa época em que o mundo parecia animado por grandes esperanças e havia enorme confiança na capacidade do Brasil de vencer o atraso, Furtado acreditava no poder da burocracia governamental e na eficiência do planejamento estatal, mas suas experiências administrativas lhe ensinaram que a política e outras circunstâncias sempre podiam frustrar suas intenções. Com o tempo, ele consolidou uma visão pessimista da situação dos países da periferia. Furtado achava que o subdesenvolvimento era um processo histórico que tendia a se perpetuar, como decorrência da expansão do capitalismo nos países ricos, e não um estágio intermediário que países mais pobres precisassem atravessar antes de atingir graus superiores de desenvolvimento. Furtado sempre se identificou com a esquerda na política, mas foi um crítico agudo do marxismo. Também não gostava de reconhecer a influência de outros pensadores. Num artigo dos anos 70 que escreveu como uma espécie de apresentação à comunidade intelectual francesa, o único brasileiro que citou foi Gilberto Freyre. O argentino Raúl Presbisch, seu parceiro na fundação do estruturalismo, não foi mencionado. Certa vez, seu amigo Francisco Oliveira criticou-o durante uma conferência por desprezar a importância da obra do historiador Caio Prado Júnior, anterior à sua. "Ele engoliu seco e agüentou o tranco", contou Oliveira numa entrevista anos depois. Furtado passou a maior parte de sua vida estudando e ensinando no exterior. Apesar de seu prestígio na esquerda e do respeito que tinha no meio acadêmico, nunca deu aulas numa universidade brasileira.