Título: Analistas destacam faceta de "intérprete do Brasil"
Autor: Francisco Góes e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2004, Especial, p. A-15

Um intérprete do Brasil, um economista e intelectual refinado, além de um homem de Estado comprometido com o Brasil e com um projeto de desenvolvimento do país. Esse é o retrato que surge de Celso Furtado a partir do depoimento de diversos analistas, que também destacaram sua postura ética acima de qualquer suspeita. "De partida, cabe registrar que foi o mais importante economista brasileiro até o momento de todos os tempos", afirmou o professor da Escola de Economia de São Paulo (EESP-FGV), José Marcio Rego, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Para ele, "Formação Econômica do Brasil" é um livro ao qual todos os economistas brasileiros - "de Gustavo Franco a Antônio Barros de Castro" - fazem referências elogiosas. Não por acaso, Franco, ex-presidente do Banco Central (BC) e tido como um dos ícones do pensamento ortodoxo no país, disse que a obra de Furtado é "eterna". "Furtado foi um intérprete do Brasil, condição a que poucos intelectuais podem se arvorar", disse Rego, comparando o economista a Sérgio Buarque de Hollanda, autor de "Raízes do Brasil", e Raymundo Faoro, autor de "Os donos do poder". O professor Fernando Cardim de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também destacou a importância de "Formação Econômica do Brasil", um livro que foi fundamental para sua geração, que estudou nos anos 60 e 70, por "dar sentido à história econômica do país". "A cada período da história do Brasil, do ciclo do açúcar ao início da industrialização, ele mostrava o sentido". O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, diz que houve vários "Celsos", ressaltando o Furtado intelectual e economista e o homem de Estado. Além de ressaltar a importância de "Formação Econômica do Brasil", Belluzzo considera fundamental a grande contribuição de Furtado à formulação correta do fenômeno do subdesenvolvimento. Segundo Belluzzo, a obra "Desenvolvimento e Subdesenvolvimento" teve uma importância muito grande. As idéias de Furtado sobre o assunto influenciaram inclusive o Fernando Henrique Cardoso de "Desenvolvimento e Dependência na América Latina", escrito com Enzo Faletto. Rego também destacou a a relevância das idéias de Furtado para a teoria do subdesenvolvimento, que se consubstanciou no pensamento da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). O professor da FGV destacou a contribuição do economista para a compreensão da América Latina, lembrando ainda que suas idéias tiveram penetração na Europa. Outro ponto mencionado é a faceta de homem de público. "Como homem de Estado ele teve a sorte de realizar o que pensava", afirmou Belluzzo. "Celso concebeu e implantou instituições, como a Sudene." O professor da Unicamp lembrou ainda a criação do Plano Trienal, concebido no governo João Goulart, do qual foi ministro do Planejamento. "O plano tentava conjugar estabilização com crescimento. Naquele momento, a esquerda foi muito crítica em relação a ele. Mas o plano não tinha nada de conservador", disse Belluzzo. Para Rego, o fato mais positivo da passagem de Furtado pelo governo foi a criação da Sudene. Furtado ocupou o Ministério da Cultura no governo Sarney. Segundo Belluzzo, era um homem com "formação mais completa que os economistas de hoje, que conhecia literatura universal e tinha uma boa formação sociológica e filosófica", para quem a dimensão cultural era importante para o desenvolvimento. Todos os analistas fazem questão de ressaltar a postura ética de Furtado. "Um homem como Furtado, uma referência intelectual e moral, faz falta não apenas no Brasil, mas em qualquer do mundo", afirmou Belluzzo. Para Rego, a dimensão ética de Furtado é algo de que o Brasil vai se ressentir muito. "Muitos economistas, de um tempo para cá, têm sido oportunistas", afirmou ele, referindo-se à trajetória academia-governo-setor financeiro empreendida por muitos desses profissionais nos últimos anos. "Essa dimensão ética é muito importante. Furtado foi um homem de governo, um intelectual público que nunca fez parte de organização econômica privada." "O Brasil perdeu um homem que dedicou a vida ao estudo da economia e que, por isso mesmo, deixa um legado muito importante para ser lido, mesmo por aqueles que não são muito entusiastas das suas idéias, como eu", afirmou Salomão Quadros, coordenador de Análises Econômicas da FGV. "A morte de Celso Furtado deixa um vazio na medida em que o país perde um erudito. Um homem que dedicou a vida a estudar a economia com afinco e dignidade." (Com agências noticiosas)