Título: Contido nas críticas a Lula, Furtado temia autoridade do BC
Autor: Francisco Góes e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2004, Especial, p. A-15

Celso Furtado era um crítico contido na relação com o governo Lula, como deixa entrever sua viúva, a jornalista Rosa Freire de Aguiar. "Apesar dessa coisa de que tem muita gente aborrecida com o governo, a idéia dele (Furtado) era não fazer nada que pudesse atrapalhar (o governo Lula)". A viúva, que vem trabalhando numa biografia do marido, acredita que Furtado não ganhou o Nobel, para o qual foi indicado em 2003, porque hoje não se admite que a economia possa ser política. "Se isto fosse possível talvez ele tivesse alguma chance, mas é muito difícil: de modo geral a economia hoje é muita econometria e economia matemática". Por conta dessa nova visão da economia, o contato que Furtado tinha com o governo Lula, era no mínimo controverso e até mesmo frustrante. Pensador de esquerda dos mais influentes nos últimos 50 anos, cassado pelo Ato Institucional nº 1, logo após o golpe militar de 1964, o economista, que dedicou sua vida a buscar saídas para o desenvolvimento brasileiro, foi um eufórico de primeira hora da eleição do ex-metalúrgico petista. Pouco antes da posse de Lula, no início de 2003, ele via a ascensão do PT ao poder como um alerta para mostrar ao mundo que o Brasil agora seria reconstruído, teria um sistema autônomo de decisões de estratégia política diferente do que vigorou no passado (governo FHC) e pregava urgência no estabelecimento de uma nova relação entre governo petista e sociedade. Furtado pregava que o papel do Estado no governo Lula deveria ser o de preservar a soberania e a autonomia do país. "O governo petista deve partir da idéia de que o Brasil é um sistema econômico e, portanto, não deve ser desmantelado, nem vendido aos pedaços (criticando a privatização)". E defendia que "não cabe ao mercado decidir o que é bom para o país". Em entrevista à revista "Caros Amigos", em 2003, se manifestou contra a autonomia do Banco Central, pois achava que isto levaria o governo a entrar "no jogo do sistema monetário internacional, a se subordinar a ele, se integrar a ele e renunciar a ter política própria." E atribuiu a indicação de Henrique Meirelles à presidência do BC a "um acidente". Em outubro, em entrevista à revista "Desafios do Desenvolvimento", do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Furtado ao mesmo tempo contemporizou e criticou os rumos econômicos do governo Lula. Para ele, "Lula está no caminho certo". Escolher outro rumo (de confronto internacional), exigiria posturas, atitudes e escolhas para as quais o país não está preparado, na sua avaliação. Ao mesmo tempo em que considerava o caminho correto diante das circunstâncias, o economista dirigia suas críticas para um alvo claro: a política cambial. "Se o Brasil renunciar à política cambial como está caminhando para fazer, precisará contar com a boa vontade externa." Em maio desse ano, nos 50 anos da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), mandou uma carta lida por seu filho, André Furtado, onde criticou mais diretamente a política econômica do governo Lula, afirmando que a recessão pela qual passava o Brasil tinha sua principal causa no corte dos investimentos públicos, o que gera efeitos "nefastos" nas regiões mais dependentes das ações governamentais. E completou: "Forçar um país que ainda não atendeu às necessidades mínimas de grande parte de sua população a paralisar os setores mais modernos de sua economia a congelar investimentos como saúde e educação, para que se cumpram metas de ajustamento da balança de pagamentos impostas por beneficiários das altas taxas de juros é algo que escapa a qualquer racionalidade".