Título: Novas exigências dos EUA atrasam o início do Cafta
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 20/02/2006, Internacional, p. A6

Comércio Americanos querem inspeções sem restrições na América Central

O acordo de livre comércio entre os EUA e a América Central (Cafta) não deve entrar integralmente em vigor antes do segundo semestre. Exigências adicionais do USTR (equivalente a um Ministério do Comércio Exterior) aos países centro-americanos estão atrasando o cronograma. Na melhor das hipóteses, o acordo entra parcialmente em vigor em março, apenas com El Salvador e Nicarágua. O maior problema em discussão com todos os países centro-americanos é a exigência de que sejam aceitas sem restrições inspeções dos exportadores de carne americanos pelo Ministério da Agricultura dos EUA. Hoje, os países centro-americanos fazem inspeções próprias, mas a indústria de carne americana acredita que a falta de técnicos poderia atrasar a emissão de licenças e representar uma barreira não-tarifária. Depois de dois meses de discussões, El Salvador e Nicarágua cederam e aceitaram pelo período de um ano a inspeção do USDA (Ministério da Agricultura). Em um ano o acordo poderá ser revisto, segundo diplomatas centro-americanos. O USTR não comentou os termos do acordo, que permitiria ao Cafta entrar em vigor com esses dois países em março. Os outros países continuam mantendo durante o período de implementação os benefícios da Iniciativa para a Bacia do Caribe (exportações sem tarifa para os EUA, limitadas por cotas) até que completem as exigências de implementação do USTR. O lobby agrícola foi o que criou maior dificuldade na aprovação do Cafta pelo congresso dos EUA. No fim, os produtores de açúcar, principais opositores do acordo, ficaram isolados do resto da indústria, que quer aumentar exportações para a região. Mas conseguiram garantir uma limitação do aumento das cotas de exportação de açúcar de cana caribenho para os EUA. O texto do Cafta não é unificado e tem características diferentes com cada país centro-americano. As condições para os países mais industrializados da região, como Costa Rica, são diferentes. A Costa Rica é o país que está mais atrasado na implantação do Cafta. Acaba de passar por eleições presidenciais e precisa submeter o texto do acordo ao Congresso, além de modificar leis para cumprir as promessas feitas aos EUA. Além dos textos múltiplos, há ainda compromissos assumidos fora do texto oficial, em "side letters". De maneira geral, as "side letters" definem questões técnicas- no caso costarriquenho, há, por exemplo, especificações técnicas sobre duas novas bandas de telefonia celular e abertura dos serviços de internet à competição. Mas há em alguns outros países exigências que poderiam estar no texto submetido ao Congresso. Outro ponto de contingência entre os EUA e países centro-americanos é a regra de origem de produtos têxteis. Algumas indústrias americanas querem que o local de produção do tecido original seja considerado na regra de origem, para tentar excluir dos benefícios do acordo confecções cujo tecido tem origem na China, por exemplo. "Estão mudando detalhes na questão têxtil por pressão da indústria americana, e o USTR prometeu compensações para que essas mudanças fossem feitas", diz um diplomata da Costa Rica. Na área de propriedade intelectual, os EUA estão exigindo da Nicarágua, por exemplo, a criminalização no código penal de atividades de pirataria e maior proteção aos dados de testes clínicos de medicamentos. Os países centro-americanos não aceitaram a tentativa de permitir, como nos EUA, a emissão de "segundas patentes" para o mesmo medicamento considerando novos usos. Antes de colocar o acordo em vigor, segundo diplomatas centro-americanos, o USTR vem exigindo analisar as leis aprovadas pelos países para entrar em conformidade com o acordo, e muitas vezes as disputas entre os negociadores descem a termos específicos na redação das leis e interpretações legais. O USTR tem nas mãos um poderoso instrumento de convencimento dos países, a falta de detalhes no texto do acordo sobre a distribuição das cotas de exportação entre os países do acordo. Na prática, a negociação continua. O USTR confirma oficialmente apenas a disputa em torno da inspeção. O embaixador Richard Crowder, responsável por negociações agrícolas, disse numa entrevista coletiva que os EUA "não querem que o acordo de livre comércio seja fechado e depois o produto não se mova por incertezas em relação a medidas fitossanitárias". O USTR preferiu não comentar os detalhes das outras disputas nem a data de entrada em vigor do acordo. "Adotamos um princípio de implementação rotativa. O Cafta será implementado nos países que cumprirem seus compromissos", informou o organismo. "Até a implementação completa, os países continuarão com as preferências comerciais da Iniciativa da Bacia do Caribe". O USTR diz que é comum precisar de mais tempo para implementar acordos. O difícil processo de negociação desanima lobistas ligados a interesses latino-americanos. "Esse nível de exigência de países tão pequenos, que representam pouco para o mercado americano, só facilita o anti-americanismo e popularidade de radicais na região, como o presidente venezuelano Hugo Chávez", diz um lobista que atua na área comercial. A aceitação política do Cafta varia muito nos países da região. O maior apoio popular ao acordo ocorre em Honduras, que conseguiu aprovação de 98% do Congresso para o Cafta. A Guatemala também tem apoio da maioria da sociedade. Na Nicarágua e em El Salvador, há comprometimento dos governos, mas maior pressão da oposição contra o acordo, e na Costa Rica, os sindicatos de trabalhadores em telecomunicações representam a maior oposição ao Cafta.