Título: Distanciamento é justificado pela política monetária
Autor: César Felício e Cristiane Agostine
Fonte: Valor Econômico, 20/02/2006, Especial, p. A10

Da noite em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assistiu à posse do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, sob os aplausos ao governador de São Paulo e gritos de ordem "Alckmin presidente" e o seminário tucano-empresarial da última quinta-feira passaram-se 15 meses. A posse de Skaf foi um marco do distanciamento entre os empresários e o presidente. O seminário promovido pelo PSDB e pelo Iedi foi uma demonstração de que a base empresarial de apoio tucano está longe de se manter coesa. Ao juntar os formuladores da política econômica que teve continuidade no governo Lula com banqueiros e alguns dos principais industriais do país, o PSDB viu exposta a divisão em sua base empresarial. A divisão tucana não deixa Lula mais forte entre os empresários, mas expõe a dificuldade de setores com interesses diferenciados de se posicionarem em relação a duas propostas de política econômica semelhantes. Em novembro de 2004, na posse de Skaf, Lula encerrava o ano de maior crescimento econômico de seu governo e desfrutava de uma aprovação de 60% quando chegou à festa nos jardins do Museu do Ipiranga, acompanhado por dez ministros. A rusga mais aparente com o empresariado era a política cambial e a retomada de um ciclo de alta da taxa básica de juros, decidida dois meses antes. "O presidente foi humilhado. Aquilo foi uma aclamação de Alckmin à Presidência", relembra um liderança política com trânsito no Planalto. As tentativas do presidente de promover uma aproximação estratégica com o empresariado surtiram pouco efeito, embora tenham começado ainda na estruturação da candidatura, com a indicação para a Vice-Presidência do empresário do setor têxtil e senador José Alencar. Ainda antes da posse, em novembro, Lula começou a estruturar o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, concebido para que o setor empresarial pudesse, junto de outros segmentos da sociedade civil, participar da formulação das reformas constitucionais. Convidou para integrar o órgão até empresários historicamente distantes do petismo, como Abílio Diniz, do grupo Pão de Açúcar, e Jorge Gerdau Johannpeter, do Grupo Gerdau. Ao anunciar os primeiros nomes para o ministério, incluiu dois empresários: Luiz Fernando Furlan, do Grupo Sadia, para o Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e Roberto Rodrigues, da Organização das Cooperativas Brasileiras, para a Agricultura. Nenhum dos dois apoiara Lula na eleição. Duas razões são sempre lembradas por diversos empresários que não apoiaram Lula em 2002 para novamente não fazê-lo este ano. A primeira é a crise política, que teria paralisado a ação do governo no Congresso, inviabilizando a discussão de temas como a reforma tributária e a autonomia ou independência do Banco Central. A segunda, a relação com o PT. O embate entre a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, em novembro, quando a primeira classificou como "tosca" uma proposta de ajuste de longo prazo feita pelo segundo, é apontado como um sinal de que Lula tende a se resguardar de um papel de árbitro quando há choques na equipe ministerial e que o PT ainda conseguirá exercer um freio em discussões como reformas trabalhista e previdenciária. Outro ponto lembrado neste mesmo sentido é o insucesso do conselho em garantir a participação do empresariado na elaboração da reforma trabalhista. O governo federal patrocinou o envio para o Congresso de uma reforma sindical que reforçou o poder da CUT. De quebra, o presidente da entidade sindical, Luiz Marinho, foi nomeado ministro do Trabalho. "Esta história de que Lula teve uma gestão econômica de êxito é uma balela. A estabilidade foi mantida apesar das hesitações dele diante do PT", diz um executivo de uma multinacional concessionária do poder público. Em alguns setores, a política cambial, que não atuou contra a valorização do real, também é lembrada como justificativa para a permanência do afastamento. Um exemplo é o do ramo de máquinas e equipamentos. Os números globais do setor são positivos. No governo Lula, o faturamento nominal das produtoras de bens de capital mecânicos passou de R$ 34,1 bilhões em 2002 para R$ 55,9 bilhões em 2005, uma variação de 63%. A inflação nominal no período pelo IGP-DI foi de 22,2%. Mas a política cambial fez com que a entidade patronal do setor, a Abimaq, rompesse com a Fazenda. "Existe uma proteção tarifária de 14% para a importação de produtos com similar nacional, e ainda assim as importações crescem, graças ao câmbio. E no ano passado a equipe econômica queria reduzir esta alíquota", queixa-se Newton Mello, presidente da Abimaq. Não há, no meio empresarial, quem externe preocupação com a possibilidade de Lula retomar o veio esquerdista e promover rupturas em seu eventual segundo mandato, uma vez que não teria mais a preocupação de se reeleger em 2010. Sob sigilo, os empresários demonstram ceticismo com a capacidade do presidente de abandonar a simples gerência da macroeconomia para fazer o país ingressar em um novo ciclo de reformas. Mesmo com as indicações claras do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, de que há disposição dentro de governo de empreender no futuro um ajuste fiscal de longo prazo, duvida-se que o ministro venha a ter condições políticas para tal. "Palocci é avaliado como uma ilha de racionalidade dentro do governo, mas tem limites claros em seu poder para pautar uma agenda para o governo", afirmou o empresário do setor plástico Emerson Kapaz, presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial e que esteve recentemente com o ministro e outros 17 empresários num encontro em que o ministro tentou convencê-los de que o governo saiu da defensiva e tem uma agenda para um eventual segundo mandato. Ex-deputado, Kapaz apoiou Ciro Gomes no primeiro turno em 2002 e Lula no segundo turno. O movimento parece ser semelhante no sistema financeiro. Em reserva, o presidente de um banco afirmou recentemente que não teme uma guinada na condução macroeconômica em um eventual segundo mandato de Lula, mas acredita que o presidente não terá condições de implementar a agenda de programas do setor, que inclui, além da diminuição do Estado, a independência do Banco Central. Um dirigente do setor financeiro diz que, se Lula se reeleger, terá um governo muito mais difícil no segundo mandato, pela continuidade dos ataques e do desgaste. Seu ceticismo em relação a Lula é inversamente proporcional ao entusiasmo em relação à política econômica. Diz que o Banco Central foi criticado pela política de juros mas teve a autonomia de fato garantida pelo presidente e teria vencido todas as apostas que fez: a alta de juros de 2003 para conter a inflação, o novo ciclo de alta em 2004 e a redução no ano passado apenas em setembro. (CF)