Título: Empresariado perde medo de Lula mas reduz apoio ao PT
Autor: César Felício e Cristiane Agostine
Fonte: Valor Econômico, 20/02/2006, Especial, p. A10

Eleições Pequeno grupo de empresários que sustentou candidatura petista está dividido

Depois de três anos de poder, o empresariado perdeu o medo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o número de homens de empresa que o defendem publicamente diminuiu em relação à eleição passada. O pequeno grupo de empresários que se expôs publicamente em 2002 apoiando o PT nas eleições presidenciais está hoje dividido. Lula ainda conta com o apoio público para se reeleger dos homens de empresa que não representam entidades de classe, como o usineiro José Pessoa de Queiroz Bisneto, o empresário da indústria têxtil Ivo Rosset e o pecuarista José Carlos Bumlai, do Mato Grosso do Sul. Mas perdeu a sustentação pública, por exemplo, de Eugênio Staub, da Gradiente, que tomou a decisão de não se manifestar sobre política nesta eleição. Entre os empresários que sempre estiveram ao lado do PT por motivos ideológicos, o presidente continua com a solidariedade do industrial Lawrence Pih, do Moinho Pacífico, um pioneiro nas relações do meio patronal com o petismo, ainda nos anos 80. Não terá, contudo, a participação em sua campanha de Oded Grajew, dirigente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e que cumpriu um papel histórico na aproximação de Lula com o empresariado. Nas entidades patronais, Lula já havia encontrado dificuldades em 2002. Recebeu apoio público apenas de quatro diretores da Fiesp à época, entre eles, Nildo Masini. Presidente da Associação Brasileira de Brinquedos (Abrinq) e diretor do Ciesp, Synésio Batista da Costa, também foi um dos que declarou apoio. Entre o primeiro e o segundo turno, ganhou o apoio do à época presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, Paulo Skaf, que hoje é presidente da Fiesp e se recusou a dar entrevista sobre o tema. Depois de ter feito declarações simpáticas ao governador Geraldo Alckmin, Skaf declarou-se temporariamente neutro, em nota distribuída à imprensa. A tendência é que Lula não tenha nenhum dirigente de entidade empresarial publicamente perfilado à sua recandidatura. "Não dá para pensar que Lula vai começar maior do que era antes no meio empresarial", admitiu Michel Haradom, dono da Fersol, indústria de defensivos agrícolas. Vegetariano, sempre vestido de branco, Haradom é um empresário incomum. Orgulha-se de pagar como salário mínimo aos seus 300 empregados o piso do Dieese (R$ 1,5 mil) e de estabelecer cotas para contratação de pessoal de acordo com a composição populacional do país, em gênero e raça, medida pelo IBGE. Faz campanha por Lula sem nunca lhe ter dado um voto, em decorrência da nacionalidade israelense. É antes um petista empresário que o inverso. "Entre os apoiadores de Lula em 2002, havia duas camadas. A dos que estavam com ele por convicções esquerdistas e a dos que aderiram por demandas específicas. A primeira camada tende a se reconstituir, a segunda não. O Brasil nunca foi tão seguro como hoje para se fazer negócios, mas Lula segue sem ser o candidato da elite produtiva", admitiu Haradom. Os que permanecem satisfeitos com Lula o elogiam mesmo afirmando terem sido prejudicados com as políticas do governo para as áreas que atuam. Haradom foi atingido com a dificuldade de registro para novos produtos. O pecuarista Bumlai, pela febre aftosa que retirou do Mato Grosso do Sul a condição de exportador de carne. Queiroz Bisneto, pelo contencioso este ano entre o governo e os produtores de álcool para a fixação do preço do produto. "Lula não me decepcionou. O campo está com problemas, mas o presidente deu provas de maturidade ao lidar com a questão dos transgênicos e da gestão privada das florestas", afirmou Bumlai, fazendeiro que hospedou Lula depois da eleição de 2002 para uma pescaria. Ele dimensiona os prejuízos: "A arroba do boi gordo do Mato Grosso do Sul caiu de R$ 5 a R$ 6 em relação a São Paulo, por causa da retirada do mercado exportador. Mas precisávamos desta sacudida", disse. "Brigo até com minha mulher e não me separo dela, porque vou me afastar de Lula? Apesar dos erros, ele acerta na maioria", concordou Queiroz Bisneto, para quem o Bolsa Família é o principal ponto positivo do governo. "Tinha esperança de que Lula focasse na questão social e estou vendo isso acontecer", disse o usineiro. Dono do Grupo J. Pessoa, que tem dez usinas e emprega 8 mil pessoas, Bisneto afirma que seu apoio a Lula não está ligado a demandas do setor. "Nossa família sempre esteve atenta aos movimentos sociais e por isso se aproximou de Lula", disse. Em geral, o apoio destes empresários a Lula é pessoal e intransferível. Não se estende ao PT. "Eu separo muito o Lula do PT. Os partidos se misturam, nenhum tem características próprias, são os indivíduos que se diferenciam. O PT cresceu muito e se descaracterizou, pela ação de bandidos traficantes de influência", disse Queiroz Bisneto. A sucessão de escândalos que envolveu o partido em 2005 deixou alguns dos antigos apoiadores cautelosos. "O trabalho das CPIs ainda não acabou e fatos novos podem surgir", comentou o presidente do Conselho Deliberativo do curso de idiomas Yázigi Internexus, Ricardo Young, que, por ora, aposta que Lula terminará não sendo incriminado. "A não ser que existam provas incontestáveis, Lula é merecedor de toda confiança. Toda vez que um presidente forte está no governo e é forte nas urnas, a oposição radicaliza e tenta derrotá-lo fora do jogo eleitoral", afirmou Young, que atua também como diretor presidente do Instituto Ethos. A política macroeconômica conservadora é o principal fator levantado pelos dirigentes de entidades de classe que não apóiam mais Lula. Alguns reclamam ainda da falta de acesso ao gabinete presidencial. Em que pese a criação de instâncias como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o presidente não estabeleceu um hábito de conversas periódicas com empresários. "Imaginava que ele fosse se cercar de pessoas de alta qualidade, mas seus assessores o isolaram", queixou-se um dirigente empresarial. Esta categoria de homens de empresa, ao contrário dos demais que apoiaram Lula, votaram pela primeira vez no PT em 2002, por insatisfação com o governo tucano e cálculo político em antever a vitória do petista. Inexistem motivações ideológicas. "Diferente do que imaginávamos, tivemos mais quatro anos do modelo 'malaniano' do uso de uma taxa de juros alta como instrumento de controle inflacionário. Diante disso, eu quero a volta do PSDB, onde houve redução de carga tributária para alguns produtos específicos, inclusive os que represento", disse Synésio Batista da Costa.