Título: Modelo de receita é dúvida na TV móvel
Autor: João Luiz Rosa, Claudia Safatle e Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 20/02/2006, Empresas &, p. B3

Sistema Digital Operadoras de celular e radiodifusores divergem sobre remuneração de serviço no celular

Para o espectador comum, a discussão sobre o sistema brasileiro de televisão digital pode parecer algo distante, ainda restrito aos gabinetes em Brasília, onde ministros de Estado buscam uma definição sobre o assunto. Mas uma questão pouco discutida até agora pode afetar diretamente o bolso do consumidor, a despeito de sua pouca familiaridade com o tema. Quem, afinal, vai pagar a conta da TV móvel, que permitirá ao usuário assistir à novela das oito ou a uma partida de futebol, ao vivo, na tela do celular ou em algum tipo de minitelevisor? A pergunta colocou em campos opostos duas das principais forças envolvidas na discussão: as emissoras de TV ou radiodifusores e as operadoras de telefonia celular. As companhias de mídia querem que o padrão de modulação, uma das camadas mais importantes do sistema, seja o japonês. A tecnologia permite a transmissão, por um único canal, de imagens de alta definição para a TV comum, além do envio dos sinais para a TV móvel. Na prática, isso dispensaria o uso das estações radiobase das operadoras celulares, que hoje são usadas para transmitir voz e dados e poderia ser utilizada também para TV móvel. O espectador receberia o sinal pelo aparelho celular, mas não pelo serviço celular - as operadoras estariam fora. A diferença semântica é sutil, mas o impacto nos negócios, enorme. As emissoras argumentam que isso vai garantir que o espectador veja TV móvel da mesma maneira como vê TV aberta: sem pagar nada. O modelo de remuneração, alegam os radiodifusores, seria idêntico ao atual - quanto mais audiência tem um programa, maior a cota publicitária a ser paga, mas pelo anunciante, não pelo usuário. As telefônicas móveis, obviamente, querem entrar no negócio. Essas companhias passam por uma transformação dramática. A digitalização tem roubado delas oportunidades nos mercados mais quentes, em benefício de companhias novas, de outros ramos. As operadoras vêem com desconfiança serviços como o Skype, que permite ligações telefônicas pela web, e começam a reivindicar, nos Estados Unidos, que as companhias de internet, como Google e Amazon, paguem taxas mais pesadas para usar sua infra-estrutura. Elas alegam que as novas estrelas da web ganham milhões sem colocar um centavo na manutenção da infra-estrutura de acesso, sem a qual não sobreviveriam. No caso da TV móvel, as operadoras celulares temem que outro naco de um futuro negócio - os pulsos que seriam pagos para ver televisão via celular - não lhes seja dado. Elas se mobilizaram em torno do padrão europeu - a exceção da Vivo, que optou pelo americano -, que estabelece canais diferentes de transmissão, incluindo um padrão específico para a TV móvel. Em tese, o padrão europeu tem duas vertentes, sendo que uma delas permitiria o sinal livre de televisão. Mas o executivo de uma das grandes telefônicas admite que, na prática, o sistema dependeria da infra-estrutura das operadoras. Para provar seus pontos de vista, tanto operadoras como radiodifusores uniram-se em frentes para reforçar seus argumentos com os membros do governo. As emissoras entregaram uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva há três semanas e voltaram à carga na semana passada, em uma audiência ministerial. As operadoras celulares tiveram o mesmo encontro uma semana antes e devem entregar, hoje, à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, um extenso documento no qual reforçam sua visão. As operadoras defendem um modelo pelo qual a transmissão de conteúdo da TV aberta seria cobrada e a receita seria repartida com as emissoras. Segundo Amadeu Castro, presidente da Acel, que congrega as operadoras celulares, a proposta apóia-se em experiências que as telefônicas já fazem, vendendo vídeos sob demanda, como clips e serviços interativos baseados em programas da TV. Mas é a cobrança pelo acesso aos programas abertos que os radiodifusores não aceitam. "As emissoras querem fazer TV gratuita, sustentada pela publicidade", diz Evandro Guimarães, vice-presidente de relações institucionais das Organizações Globo. "Depois da população, o setor é o mais interessado em um sistema que seja eficaz e econômico." O debate é dificultado pelo fato de que os padrões existentes ainda estão em fase de teste e não há experiências comerciais viáveis por enquanto, observam técnicos a par do assunto. A Band já cede programação para quatro operadoras - Oi, Vivo, TIM e Claro -, que testam formatos diferentes de exibição. O sinal é analógico e passa pela rede das telefônicas. Mas Milton Turolla, diretor de interatividade do Grupo Bandeirantes, reconhece que isso é muito diferente do que vai ocorrer depois da digitalização. "A TV digital vai modificar esse desenho", afirma. As avaliações técnicas, outro ponto levado em consideração, às vezes apontam caminhos diferentes. Na Universidade Mackenzie, de São Paulo, um grupo de estudos chegou à conclusão de que o padrão de modulação mais robusto é o japonês. Mas outros módulos vindos do Japão, como o de codificação, estão obsoletos e precisam ser substituídos, diz o professor Gunnar Bedicks Junior, que comandou os trabalhos. Na semana passada, outro relatório veio à tona, apontando a tecnologia européia como a que tem condições de oferecer aparelhos conversores de sinais analógicos para digitais a preços mais baixos. Divulgado extra-oficialmente, o trabalho do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), mostrava que os decodificadores com padrão europeu ficariam entre R$ 233 e R$ 662. O preço seria de 15% a 18% maior com a adoção do padrão japonês. No caso do americano, os custos aumentariam entre 8% e 10%. O preço dos conversores, que serão acoplados aos aparelhos de TV, é um indicador significativo, mas um representante dos radiodifusores discorda da avaliação apresentada. "Nesta altura do campeonato, afirmar que um produto eletrônico vai custar 5% ou 10% mais barato que outro é pura adivinhação", diz esse executivo. A aposta é a de que a indústria de eletrônicos reduzirá sensivelmente seus preços até o lançamento do serviço. "O relatório indica valores semelhantes aos de um aparelho de TV, mas quem vai pagar isso pelo conversor?", pergunta o mesmo executivo. Para Lauro Sigaud Ferreira, gerente de desenvolvimento de negócios da Fitec, uma fundação que também pesquisa o assunto, algum tipo de acordo será forçosamente celebrado entre operadoras e emissoras por causa do subsídio que as telefônicas oferecem atualmente ao consumidor na compra dos celulares. A ajuda teria de ser estendida aos novos aparelhos preparados para a TV móvel. Um representante dos radiodifusores discorda: ele diz que as operadoras serão remuneradas de qualquer jeito, pelos serviços agregados que a TV móvel trará. Quanto ao subsídio, diz que prevalecerá a competição. Quando uma das operadoras oferecer o aparelho subsidiado, as demais a seguirão.