Título: Reforma para reduzir conflitos
Autor: . Tangermann e A. López-Claros
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2004, Opinião, p. A-17

Poucos setores têm exaltado tanto ânimos no debate político internacional quanto a agricultura. Essas discussões ocorrem apesar de o setor primário representar parte cada vez menor da atividade econômica dos países industrializados - responde por cerca de 3% do PIB de muitos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e emprega menos de 5% de sua mão-de-obra. Existe uma sensação generalizada de que os resultados dos programas agrícolas em países desenvolvidos não estão produzindo os efeitos desejados. Pesquisas da OCDE mostram claramente que existe muito espaço para melhorar. A maioria dos regimes agrícolas desses países busca aumentar a renda dos agricultores de duas maneiras: primeiro, mantendo os preços acima dos níveis que normalmente alcançariam se flutuassem de acordo com o mercado, e segundo, por meio de intervenções públicas diretas. A OCDE mede regularmente o apoio recebido por produtores agrícolas. Em 2003, os 30 países integrantes da OCDE gastaram US$ 257 bilhões com esse suporte, representando 32% da renda de seus agricultores. Estudos mostram que 75% de todo o apoio dado aos produtores agrícolas nos países da OCDE aparece nas formas de preços artificialmente altos e subsídios. Entretanto, o apoio aos preços e produção não é necessário, não é eficiente e não é justo, quando usado com o objetivo de melhorar a renda dos agricultores. Os agricultores e suas famílias se adaptam às mudanças econômicas buscando fontes de renda alternativas. Por outro lado, as famílias agrícolas conseguem receitas não somente do seu trabalho, mas também a partir das suas terras e bens de capital, e mesmo que a renda do trabalho agrária seja baixa, a renda familiar pode ser razoável. Estatísticas revelam que para cada dólar a mais que os consumidores e contribuintes pagam para sustentar preços dos insumos agrícolas, apenas US$ 0,25 chegam ao bolso do produtor rural como remuneração pelo trabalho e propriedade da terra. Uma grande parte vai para proprietários de terra fora do segmento, uma vez que cerca de 50% da terra destinada à exploração agrícola dentro da zona da OCDE está arrendada, e os agricultores que realmente trabalham na terra pagam aluguéis inflados em função da política de apoio praticada para os preços. Além disso, quando os agricultores reagem a uma alta de preços aumentando a sua produção, grande parte dos recursos destinados à sustentação de preços acaba nas mãos das indústrias de insumos agrários. Também é injusta a distribuição dos recursos entre os agricultores. Os grandes empreendimentos agrícolas recebem mais ajuda em termos absolutos. Na União Européia, 25% dos grandes empreendimentos agrícolas representam mais de 70% da renda bruta do setor. Sendo que a maioria dos subsídios na UE é distribuída em função de volume de produção, esses empreendimentos recebem 70% de todos os subsídios públicos. Nos EUA, 25% dos grandes empreendimentos agrícolas recebem 90% dos subsídios.

Mesmo não premeditados, os efeitos negativos internacionais das políticas de apoio aos preços e produção nos países da OCDE são reais

O que pode ser feito para melhorar a situação? Um dos elementos-chave da reforma de políticas agrícolas é a desvinculação do subsídio público da produção, para romper o vínculo entre subsídio e as decisões produtivas do agricultor. No seu lugar, pagamentos poderiam ser feitos diretamente aos agricultores, baseados no valor monetário das "antigas" políticas de transferência de recursos. O fundamento central desses pagamentos desvinculados é dar tempo suficiente ao agricultor para se adaptar às novas condições que virão em conjunto com a nova política agrícola. Se implementado esse processo, os pagamentos podem ser gradualmente reduzidos até serem totalmente substituídos. Com tempo, a política agrícola pode se focar em pagamentos feitos em função de objetivos específicos, como a manutenção e melhoria do meio ambiente e da comunidade rural. Uma reforma nos moldes especificados melhoraria muito a eficiência doméstica das políticas agrícolas e, além disso, traria benefícios adicionais para o cenário internacional. Os subsídios para sustentar preços e produção (a política da maioria dos países da OCDE tentam compensar o impacto do crescimento fraco de demanda por produtos agrários, gerando uma demanda artificial. Mesmo assim, essas políticas não conseguem aumentar a demanda em nível global, uma vez que não melhoram o poder aquisitivo da população mundial. O único efeito obtido acaba sendo induzir os agricultores domésticos a produzir mais. A produção adicional gerada por essas políticas acaba baixando os preços dos produtos agrícolas no mercado internacional. Isso significa que a demanda adicional para produção agrícola doméstica criada artificialmente nos países com altos níveis de subsídios públicos, na realidade, está usurpando a cota de mercado que pertence aos agricultores de outros países. Ou seja, as boas intenções dos subsídios públicos de apoiar o agricultor doméstico, que utilizam práticas que distorcem o mercado, são eficientes para exportar as pressões de mudança, fazendo com que produtores de outras partes do mundo tenham que lidar com elas. Mesmo não sendo premeditados, os efeitos negativos internacionais das políticas de apoio aos preços e produção nos principais países da OCDE são reais. A reforma da política agrícola através da separação do subsídio da produção, e o foco em objetivos específicos, vai ser de interesse dos próprios países da OCDE, já que melhora a eficiência das suas políticas agrícolas. Ao mesmo tempo, um efeito secundário positivo é a redução de distorções do mercado e do comércio. Como resultado, as reformas podem contribuir bastante para pôr fim aos conflitos de comércio internacional, que surgem das atuais políticas de sustentação do setor agrícola.