Título: Expectativa é de que surjam novas barreiras de proteção
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2004, Especial, p. A-18

O diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), Supachai Panitchpakdi, não cessa de repetir a mensagem: a partir de 1º de janeiro de 2005 estará definitivamente abolido o sistema de cotas que restringe exportações de têxteis e vestuários dos países em desenvolvimento. Mas a incerteza continua no setor, com grupos têxteis de nações ricas e de países menores insistindo em algum mecanismo que ´´preserve´´ fatias de mercado para produtores mais vulneráveis. Nesse contexto, a expectativa na cena comercial é de que Estados Unidos e União Européia (UE), que fazem 72% das importações totais de vestuários e 40% de têxteis, não hesitarão em multiplicar cláusulas de salvaguarda, medidas antidumping, exigências ambientais e sociais e uma parafernália de procedimentos administrativos, para proteger de alguma maneira suas combalidas indústrias. A tensão entre a China e os EUA aumentou recentemente, quando Washington aceitou novas demandas da industria têxtil doméstica para investigar a aplicação de cláusulas de salvaguarda contra produtos chineses. Prudente, o Escritório Internacional de Têxteis e Vestuários (conhecido pela sigla inglesa ITCB), com 23 países-membros, incluindo China, Índia e Brasil, considera pouco confiáveis as dezenas de estudos sobre expansão do comércio com o fim das cotas. Mas nota que já haverá resultados enormes se mantido o atual ritmo de crescimento. Entre 1990 e 2002, o comércio de têxteis aumentou 3,2% ao ano e de vestuários, 5,3%. No caso dos países em desenvolvimento, a expansão foi ainda maior: 5,3% e 6%, respectivamente. Se for mantida a mesma taxa de crescimento nos próximos dez anos, as vendas do setor pulariam dos atuais US$ 353 bilhões para US$ 596 bilhões anuais, com os têxteis pesando US$ 222 bilhões e vestuários US$ 374 bilhões. Se os países em desenvolvimento continuarem expandindo no mesmo ritmo, sua parte na exportação passará para US$ 368 bilhões (US$ 127 bilhões para têxteis e US$ 241 bilhões para vestuários). Um ganho de US$ 179 bilhões em comparação a 2002. Os ganhadores da liberalização, todo mundo concorda, serão a China e a Índia. E estes, junto com o Brasil, rejeitam categoricamente a reintrodução de qualquer novo mecanismo, depois de 40 anos de proteção para as indústrias dos países ricos. Para o ITCB, as pessoas devem começar a se habituar com a idéia de que ´´vai ter muito mais livre comércio para têxteis a partir de janeiro´´. A entidade continua insistindo para seus membros não baixarem a guarda, apesar de um possível declínio dos preços após a abolição das cotas e de pressões protecionistas. Para a economista Dinará Dias, do ITCB, novas restrições no setor serão limitadas. Ela nota que a ênfase na proteção, na verdade, já se deslocou do sistema de cotas para o uso de regras de origem restritivas impostas pelos EUA e a UE em seus acordos de livre comércio. Os americanos só deixam entrar com tarifa zero em seu mercado produtos fabricados com o tecido americano ou do próprio país. É assim que o México, membro do Nafta, o acordo de livre comércio com os EUA e o Canadá, vem perdendo progressivamente fatias de mercado para a China no mercado norte-americano. O México não produz tecido suficiente e não pode importar o mais barato, da China, porque aí perde a preferência tarifária nos EUA. Já a China não tem acordo preferencial com os EUA, mas tem tudo para produzir e vender barato. O ITCB mostra o resultado de novos paradigmas nas regras de origem impostas pelos EUA: hoje, 79% de todas as exportações têxteis e de vestuários dos EUA vão para países com os quais tem acordo comercial preferencial, comparado a apenas 35% em 1980. Para chineses, indianos e brasileiros, os industrializados devem ter uma participação ativa no ajustamento do comércio mundial de têxteis e vestuários através de novas regras de origem nos acordos preferenciais. Brasil e China sugerem que os centro-americanos possam manter a preferência produzindo com tecido brasileiro, chinês ou de qualquer outra região, o que tornaria seu produto mais barato e mais competitivo nos EUA. Há limites para os importadores recorrerem a medidas antidumping contra importações julgadas danosas. Mas podem impor legalmente ´´salvaguardas especiais´´ sobre as importações procedentes da China caso elas cresçam subitamente. A cláusula de salvaguarda especial para o setor têxtil, mais fácil de ser aplicada, pode vigorar até 2008. Já a cláusula sobre os produtos chineses em geral vai até 2013. Mas há uma dificuldade para usar esses mecanismos: o custo político, tanto mais que a China também vai jogar com as regras da OMC e pode adotar barreiras em seu mercado contra produtos estrangeiros.