Título: EUA decidem jogar duro com Pequim
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Fonte: Valor Econômico, 21/02/2006, Internacional, p. A13

Dentro da nova política de "jogo duro" do governo Bush contra a China, os EUA poderão formalizar acusações contra o gigante asiático por suas práticas comerciais no setor de autopeças e por desrespeito a marcas e patentes, bem como denunciar a China como manipuladora de moedas. Mas as chances são de que esse endurecimento não tenha grande impacto, ao menos de imediato, no crescente déficit comercial americano, que atingiu um recorde histórico de US$ 726 bilhões no ano passado. Esse desnível recebe muita atenção em Washington, especialmente os 25% do descompasso em relação a um único país - ou seja, o déficit comercial de US$ 202 bilhões em relação à China. Esse número provocou uivos de protesto no Congresso. Os legisladores sustentam que o déficit mostra que o presidente George W. Bush não está fazendo o suficiente para se contrapor às práticas comerciais desleais chinesas, que contribuíram, segundo os legisladores, para a perda de 3 milhões de empregos na indústria de transformação dos EUA desde 2000. Os legisladores apressaram-se em apresentar mais projetos de lei para aplicar pesadas sanções econômicas à China. Na esperança de esvaziar essa iniciativa, o governo apresentou na semana passada sua própria estratégia de endurecimento, contida numa análise de 29 páginas, "de cima a baixo", das relações comerciais entre os dois países. O representante de Comércio dos EUA, Rob Portman, anunciou a criação de uma nova força-tarefa em seu gabinete para "aplicação de penalidades" contra a China. Ele sinalizou que se não houver progressos no curtíssimo prazo em duas áreas de tensão - tarifas elevadas impostas pelos chineses a autopeças produzidas nos EUA e a persistência de pirataria generalizada contra marcas e patentes de produtos americanos -, o governo deve iniciar um processo contra a China na Organização Mundial de Comércio (OMC) alegando práticas comerciais desleais. O secretário do Tesouro, John Snow, também fez sua parte no endurecimento do discurso americano na semana passada, sugerindo que o governo está considerando a possibilidade de acusar a China de manipulação cambial em um relatório que deve apresentar ao Congresso em abril. Essa designação provocaria conversações entre os dois países e poderia, em última instância, resultar em sanções comerciais, se os EUA obtivessem ganho de causa num processo na OMC. Durante mais de um ano, o governo resistiu a pressões no sentido de que declarasse tal designação, alegando que poderia fazer maiores progressos com uma diplomacia silenciosa, persuadindo gradualmente a China de brecar a desvalorização de sua moeda em relação ao dólar. Os fabricantes americanos reclamam que a China manipula de modo gritante sua moeda, mantendo-a desvalorizada em até 40%. Os senadores democrata Charles Schumer e republicano Lindsey Graham estão patrocinando um projeto de lei que imporia uma penalidade tarifária de 27,5% a todos os produtos chineses, a menos que a China abandone essas práticas. Essa é apenas uma entre diversas medidas contidas em projetos de lei que tentarão punir a China impondo penalidades tarifárias sobre mercadorias chinesas - tarifas mais altas que seriam pagas pelos consumidores americanos. "Isso equivaleria a um aumento de impostos sobre os americanos de rendas baixa e média", diz Dan Griswold, um especialista em comércio no Cato Institute, entidade de pesquisa e planejamento em Washington. "São eles que estão comprando os sapatos e roupas e brinquedos vindos da China." Tendo em vista, porém, que este é um ano eleitoral para o Congresso, analistas dizem ser provável que continuem crescendo as pressões, no Congresso, para que os EUA retaliem, a menos que a China adote mudanças comerciais. A China terá diversas oportunidades para aceitar mudanças no curto prazo, começando por uma visita, em 11 de abril, de autoridades econômicas chinesas a Washington para discutir com colegas americanos possíveis modos de aliviar as tensões comerciais. E, em 24 de abril, o presidente chinês, Hu Jintao, fará sua primeira visita oficial a Washington. Muitos observadores julgam que essa poderá ser uma oportunidade crucial para os chineses oferecerem algumas concessões comerciais.