Título: Um passo importante para reduzir as taxas de juros
Autor: Paulo Tenani
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2006, Opinião, p. A14

Desoneração de aplicações do investidor estrangeiro tornará mais estável dinâmica da dívida

As taxas de juros são altas no Brasil porque os custos para investir domesticamente também são muito elevados. Tão simples, porém verdade! E, neste sentido, ao desonerar as aplicações do investidor estrangeiro em títulos públicos emitidos no mercado local, o governo brasileiro deu um passo importante para tornar as taxas de juros reais consideravelmente mais baixas no Brasil - e a dinâmica da dívida pública muito mais estável. As contas são simples e os números impressionam. Com a desoneração, teoricamente, existiria espaço para as taxa de juros reais cederem aproximadamente 250 pontos percentuais, o que implicaria em uma redução anual de quase 1% do PIB nos custos da rolagem da dívida pública. Nada mal para um país que desde 1996 vem amargando uma taxa de juros real próxima aos 11% e uma dinâmica da dívida pública que, apesar do forte ajuste fiscal, permanece acima dos 50% do PIB. Porém, a despeito de suas qualidades, a desoneração também é motivo de críticas. A primeira - e mais pertinente - diz respeito ao fato dela ter favorecido apenas o investidor estrangeiro. Este é um ponto importante pois, talvez, ao excluir o investidor brasileiro, a desoneração acabe por mitigar alguns de seus próprios efeitos benéficos sobre as taxas de juros reais. O argumento é o seguinte: ao favorecer apenas o estrangeiro, a desoneração cria dois preços para um único bem - investimentos no mercado doméstico de títulos públicos - e, portanto, uma oportunidade de arbitragem. Neste sentido, existe uma forte motivação para os investidores domésticos mascararem-se de estrangeiros, o que, por sua vez, poderia causar um aumento em outros dos custos de transação de investir localmente. E isto, com certeza, reduziria um pouco o potencial de 250 pontos percentuais de queda nas taxas de juros. Mas o argumento vai além. Como o investidor doméstico já pagava um imposto de renda superior ao do estrangeiro, uma desoneração que também o beneficiasse poderia implicar em uma redução ainda mais abrupta nas taxas de juros reais, de até 3,9 pontos percentuais segundo nossas estimativas. E isto representaria uma economia de 1,8% do PIB por ano no custo da rolagem da dívida pública - bem mais do que a totalidade da arrecadação da CPMF e quatro vezes superior ao que o governo arrecada com o imposto de renda sobre os ganhos financeiros. Ou seja, enquanto a desoneração - da maneira como está - já é um primeiro passo no sentido de melhorar a qualidade do ajuste fiscal brasileiro, um segundo passo importante seria ampliá-la também para os investidores brasileiros. Afinal, para um país com uma dívida doméstica de 48% do PIB, qualquer medida que resulte em uma maior redução nas taxas de juros acaba por ter um efeito considerável sobre o custo de rolagem da dívida pública. O Tesouro deve estar fazendo suas contas e, não ficaríamos surpresos se, muito em breve, o escopo da desoneração fosse ampliado.

Apreciação cambial seria transitória na hipótese de uma queda gradual da Selic em direção ao novo patamar de equilíbrio

A segunda crítica à desoneração diz respeito aos seus efeitos sobre a taxa de câmbio - que poderia sofrer uma apreciação ainda mais forte. Em nossa opinião isto não é necessariamente verdade. O que acontece é que a desoneração, ao diminuir os custos de investir domesticamente, resulta, mais cedo ou mais tarde, em uma queda proporcional na taxa de juros real. A taxa de câmbio, por sua vez, só irá se movimentar na medida em que a taxa de juros nominal - a Selic - não ceder na proporção exata da diminuição destes custos de transação. Por exemplo, no mundo ideal, onde a desoneração ao investidor estrangeiro implicaria em uma redução de 250 pontos nas taxas de juros reais, o real só se apreciaria se a Selic cedesse menos do que estes 250 pontos percentuais. E, na realidade, o real teria até mesmo que depreciar caso a Selic caísse mais do que proporcionalmente! Notem também que, na hipótese de uma queda apenas gradual da taxa Selic em direção ao seu novo patamar de equilíbrio pós-desoneração - uma hipótese bastante razoável para a atual realidade do Brasil - a apreciação cambial seria apenas transitória; com o câmbio retornando ao seu patamar pré-desoneração na medida exata em que as quedas na Selic convergissem para seus 250 pontos percentuais. Em outras palavras, os efeitos permanentes da desoneração - aqueles que o Brasil estará vivenciando nos próximos anos - são, na realidade, sobre as taxas de juros e não sobre o câmbio. E esta diminuição permanente nas taxas de juros reais, para um país até então preso na armadilha dos juros altos, é um efeito bastante positivo. Portanto, por estes dois motivos - a redução permanente nas taxas de juros reais e os efeitos meramente transitórios sobre a taxa de câmbio - que a decisão do governo brasileiro de desonerar o investimento estrangeiro em títulos públicos merece aplausos. É verdade que a desoneração, em benefício da própria dinâmica da dívida pública, deveria ser também estendida ao investidor brasileiro. Porém, esta restrição à parte, a desoneração - na medida em que elimina um imposto cujos ganhos fiscais eram irrelevantes mas cujos efeitos sobre o custo da rolagem da dívida pública era bastante prejudicial - é um passo importante na direção de um ajuste fiscal de melhor qualidade.