Título: Argentina dá reajuste e benefícios e se livra de ações de empresas
Autor: Mariana Camarotti
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2006, Especial, p. A16

Serviços públicos Concessionárias começam a retirar processos contra em organismo do Banco Mundial

O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, vem conseguindo com que as empresas concessionários de serviços públicos privatizadas suspendam os processos que têm contra o governo no Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (Ciadi) do Banco Mundial (Bird). Em troca, as empresas vêm recebendo não apenas reajustes de tarifas, mas também algumas definições regulatórias pendentes desde a desvalorização do peso, em 2001. O litígio com as empresas concessionárias, a maioria delas de capital estrangeiro, é o último grande imbróglio legal resultante do colapso econômico da Argentina, no final de 2001. Na quarta passada, a espanhola Telefónica suspendeu durante um período de sete meses um processo de US$ 2,8 bilhões, o maior existente contra o governo argentino. E comprometeu-se a retirar de vez a demanda no Ciadi após 30 dias da publicação do decreto do governo sobre o aumento das tarifas. Além disso, prometeu um investimento de US$ 1 bilhão este ano em rede fixa e em dois setores bastante rentáveis: telefonia celular (opera sob a marca Movistar) e internet banda larga (marca Speedy). O presidente da Telefónica Argentina, Mario Vázquez, confirmou o acordo e já apareceu em um evento de inauguração da rede de fibra ótica na Província de Santa Cruz ao lado de Kirchner. Em meio a troca de amabilidades, Vázquez disse que a companhia pretende investir para alcançar 1 milhão de usuários de banda larga até 2008 - hoje, são apenas 300 mil. Para escrever mais esse capítulo na sua história de duras negociações com o setor privado, Kirchner permitiu que a Telefónica duplicasse o valor da ligação local e das interurbanas no horário das 20h às 21h, o que deverá elevar em 1% o faturamento da empresa. Além disso, as ligações internacionais para a Argentina tiveram o valor triplicado. Ainda mais crucial foi o avanço na área de regulação: o presidente reconheceu que a propriedade da rede fixa é da Telefónica e da Telecom, o que impede na prática que outras empresas entrem no mercado argentino. No início do mês, a Águas Argentinas, responsável pelo fornecimento de água e serviços de esgoto e que trava uma grande discussão com o governo pelos valores dos serviços, suspendeu o processo de US$ 1,7 bilhão que tem contra a Argentina no Ciadi. Embora alguns dos acionistas - Suez, Vivendi e Águas de Barcelona - não tenham retirado o processo em que também demandam compensação, o gesto foi visto pelo mercado como ponto para o governo. No ano passado, a empresa pôde fazer um reajuste, e o governo assumiu parte dos investimentos previstos no contrato de concessão. O Grupo Camuzzi, responsável por várias empresas de fornecimento de energia, também comunicou, em dezembro passado, a suspensão dos processos, que somados chegam a US$ 250 milhões. "O presidente tem uma grande aprovação da população e isso lhe dá mais força nas negociações com as empresas. Ele tem um estilo mais duro, mas tem precisado dar pelo menos alguns benefícios às companhias", afirmou o diretor da consultora Abeceb.com, Dante Sica. Para Sica, as negociações dão a idéia de triunfo político para o presidente, pois são poucos os reajustes que chegam ao consumidor final. Mas ele alerta que o futuro consumidor terá perdas na qualidade do serviço devido à vista grossa que o governo faz para o não-cumprimento dos investimentos previstos nos contratos de concessão, de modo a compensar as empresas pelas perdas com o fim da dolarização da economia. O setor de energia, por exemplo, já apresenta falhas na rede de fornecimento. Para o diretor do Departamento de Estudos Regulatórios do instituto de pesquisa Fiel (Fundación de Investigaciones Econômicas Latinoamericanas), Santiago Urbiztondo, muitos processos tinham argumentos frágeis, "já que as empresas de alguns setores não deixaram de elevar seu faturamento, como as de telecomunicações". Mas ele diz que o presidente terminou "vencendo pelo cansaço, já que as privatizadas não tinham tantas possibilidades de reajustes". A privatização de serviços públicos na Argentina, como telecomunicações, fornecimento de água, gás e energia, entre outros, foi feita quando o país vivia no sistema de convertibilidade cambial, com o peso equiparado ao dólar em um por um. Durante os anos 90, os preços eram cobrados na moeda americana e os reajuste eram indexados. Com a desvalorização, em 2001, os preços dos serviços regulados foram congelados e, desde então, praticamente não sofreram nenhum reajuste. Isso levou as concessionários a entrarem com processo no Ciadi, reclamando quebra de contrato e prejuízos em seus investimentos. Enquanto alguns aumentos de preços são autorizados prontamente, outros aguardam em banho-maria. Já foram ratificadas pelo Congresso Nacional, mas aguardam o decreto do presidente. Isso dá a Kirchner um forte poder discricionário para negociar com as concessionárias. Esse é o caso das revisões dos contratos de concessão das empresas Edesur e Edenor (energia), que envolvem tarifas e regulação dos serviços e que prevêem o reajuste para consumidores industriais, comerciais e de renda alta com consumo elevado. A empresa Gás Natural está na mesma situação.