Título: Incerteza total
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2006, O PAÍS, p. 2

Se a campanha eleitoral já estava começando sob o signo da incerteza quanto às regras, agora o jogo ficou decididamente amarrado. Com a interpretação do TSE, de que as coligações estaduais não podem diferir das coligações nacionais, todos os projetos eleitorais entram em compasso de espera. Renan Calheiros e Aldo Rebelo, presidentes do Senado e da Câmara, decidem com os líderes na terça-feira a data de promulgação da emenda constitucional em sentido inverso. Mas fatalmente haverá recurso ao STF, que levará algum tempo para dar a palavra final. A emenda não foi promulgada até agora exatamente para não parecer uma provocação do Legislativo ao Judiciário, que ainda devia a resposta de ontem a uma consulta anterior. Mas agora o Congresso não tem o que fazer com uma emenda que aprovou senão promulgá-la, mesmo sob o risco de ser desautorizado pelo STF. O que o Supremo vai decidir é se o Congresso poderia ter alterado uma regra eleitoral ¿ a da verticalização das coligações, baixada em 2002 por instrução interpretativa do TSE ¿ faltando menos de um ano para a data do pleito. Poderá dizer que a emenda é constitucional mas só valerá a partir de 2008. O prazo de um ano é exigido pelo artigo 16 da Constituição de forma genérica, não explicitando se uma emenda, como entendem os adversários da verticalização, está acima de qualquer vedação. O deputado Miro Teixeira, autor de um dos recursos ao Supremo, alega que não, que a alteração fora de prazo, por qualquer instrumento, fere o princípio da segurança jurídica. Todos os partidos e candidatos terão agora que esperar a palavra do STF para tomar decisões. E algumas decisões são complicadas, como a de deixar cargos executivos ¿ de ministro, prefeito, governador, secretários e outros mais ¿ até o próximo dia 30. Se o STF entender que a emenda não vale para este ano, fazendo prevalecer a verticalização, governo e oposição serão da mesma forma afetados em suas articulações. O presidente Lula, contrariando o PT, chegou a se manifestar a favor da derrubada da exigência. O PSB e o PCdoB, aliados históricos, ameaçavam não apoiá-lo oficialmente, mas apenas informalmente, se a emenda não fosse aprovada. Foi acreditando nela que o ministro Agnelo, por exemplo, avisou Lula anteontem que deixará o ministério para concorrer ao governo do Distrito Federal. Sem verticalização, seu PCdoB poderia apoiar Lula para presidente e ter candidatos a governador, com ou sem aliança com o PT. Agora, isso é incerto. Em Pernambuco, outro exemplo: o PT planeja lançar a candidatura do ex-ministro Humberto Costa ao governo e o PSB a do também ex-ministro Eduardo Campos. Mesmo assim, estariam juntos na coligação de Lula. Mas complica-se também a construção da aliança PSDB-PFL com a volta da verticalização. O PFL brigou muito pela aprovação da emenda agora posta na berlinda. Quer apoiar o candidato presidencial tucano (de preferência Serra) mas ficando livre para fazer outras alianças nos estados. Já não é certo que poderá fazer isso. Por fim, o PMDB, que anda prosa com a hipótese de ter candidato próprio, pode ter que desistir. E isso favorece Lula. Com verticalização, os caciques regionais farão valer seu mando para que o partido fique livre e desimpedido, permitindo-lhes fazer as alianças mais convenientes à conservação de seus domínios. Enfim, os políticos merecem, porque não foram capazes de aprovar no tempo regulamentar as mudanças desejadas, como a verticalização, e as necessárias, como as relacionadas ao financiamento de campanhas.