Título: Câmara sugere meta para regular relação dívida/PIB e conter os juros
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2006, Finanças, p. C2

Além de uma meta para a inflação, a política econômica deveria perseguir uma meta para a relação entre dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB). As duas metas seriam fixadas por períodos de quatro a cinco anos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e obrigariam o Banco Central (BC) a, no momento de calibrar a taxa de juros (Selic), observar seus impactos sobre a evolução da dívida. Em tese, o novo modelo permitiria flexibilizar o regime de metas de inflação e reduzir os juros de curto prazo. A proposta será lançada oficialmente hoje pelo Conselho de Altos Estudos da Câmara dos Deputados. Ela foi elaborada pela equipe de consultores da Câmara, sob a coordenação do economista César Mattos, depois de um ano e seis meses de trabalho. O esforço resultou na publicação de um livro - "Cadernos de Altos Estudos 2: A Dívida Pública Brasileira" - e na apresentação da Indicação 5.187, assinada pelo deputado Félix Mendonça (PFL-BA), com sugestões à política econômica conduzida pelo governo Lula. O ponto de partida do estudo é a explosão da dívida líquida do setor público ocorrida nos últimos 15 anos. Nesse período, ela saltou de US$ 157,2 bilhões (posição de janeiro de 1991) para cerca de US$ 426 bilhões, em dezembro de 2005. Observando-se sua relação com o Produto Interno Bruto, pulou de 38,14% em dezembro de 1991 para 51,7% no mesmo mês de 2005. Mais recentemente, tem chamado a atenção dos analistas o fato de a política monetária conduzida pelo Banco Central ter forte impacto sobre a relação dívida/PIB e, portanto, sobre o principal indicador de solvência das contas públicas. Isso acontece graças ao elevado grau de indexação da dívida pública à taxa Selic. Em dezembro, 48,4% da dívida líquida estava indexada à taxa básica de juros. No atual modelo de política econômica, quando define a taxa de juros, o Banco Central, por meio do Comitê de Política Monetária (Copom), observa apenas o comportamento da inflação e persegue a meta fixada. Nesse modelo, a meta de inflação é definida pelo governo por meio do Conselho Monetário Nacional (CMN). Já o grau de disciplina fiscal é definido pelo governo por intermédio da fixação de uma meta de superávit primário, destinada a estabilizar e/ou reduzir a relação entre a dívida e o PIB. No modelo proposto pelo Conselho de Altos Estudos da Câmara, tanto as metas de inflação quanto as da relação dívida/PIB seriam definidas de forma "conjunta, harmônica e consistente entre si na LDO". O governo proporia percentuais e o Congresso os aprovaria ou definiria outros valores. Para alcançar as duas metas, haveria dois instrumentos: a taxa de juros (Selic) e o superávit primário. "As políticas monetária e fiscal serão institucionalmente integradas com responsabilidade solidária do Banco Central e do Ministério da Fazenda pelo cumprimento das duas metas. Apesar de o BC prosseguir se concentrando na política monetária e a Fazenda na fiscal, ambos passarão a ter que considerar os efeitos de suas ações (respectivamente, taxa de juros e superávit primário) sobre os resultados observados (inflação e relação dívida/PIB)", propõe o documento. César Mattos sustenta que um dos avanços da proposta é que, a partir de agora, ficaria claro que a realização de superávits primários é um instrumento e não uma meta, um objetivo da política econômica. "Um instrumento para tornar a relação dívida/PIB sempre sustentável", afirma o economista. Outro avanço mencionado por Mattos seria o fato de que a política fiscal, no modelo alternativo, deve levar em consideração seus efeitos sobre a inflação, assim como a autoridade monetária deve considerar os efeitos dos juros na relação dívida/PIB. "Não se observa (atualmente) a política monetária apoiando, de modo firme, a política fiscal, de forma a puxar a relação dívida/PIB para uma trajetória que seja sempre decrescente", afirma o deputado Félix Mendonça no documento. No modelo proposto, o Banco Central perderia a função clássica adquirida nos últimos anos, qual seja: a de conduzir a política de juros com autonomia operacional, reagindo de maneira independente aos outros aspectos da política econômica. Num Banco Central clássico e independente, quando o governo aumenta os gastos e o déficit público, a autoridade monetária adverte a sociedade de que aquele comportamento não é saudável e que isso acaba provocando o aumento dos juros e a queda do PIB. "Um regime de metas de inflação, num país altamente endividado como o Brasil, precisa ser flexibilizado", defende Mattos, lembrando o elevado grau de indexação da dívida pública à Selic. "Desconsiderar essa peculiaridade da dinâmica entre as políticas fiscal e monetária seria quase como sofrer de uma espécie de autismo na condução da política econômica do país", comenta Félix Mendonça. Na opinião do economista da Câmara, é possível devolver a função clássica de autonomia ao BC a longo prazo, quando a dívida não representar mais um problema para a economia. Para elaborar a proposta, o Conselho de Altos Estudos realizou pesquisas e promoveu seminário, no ano passado, com a presença de economistas renomados, como o ex-ministro Delfim Netto, Márcio Garcia e Ilan Goldfajn. Quando teve a idéia de integrar as políticas fiscal e monetária, Mattos inspirou-se nos trabalhos dos economistas Charles Wyplosz, Joaquim Andrade, José Franco Medeiros de Moraes e Marcelo Verdini. Wyplosz fez estudo em 2003 sobre as instituições que dão sustentabilidade à dívida brasileira e sugeriu que o país adote metas para a relação dívida/PIB, mas que o principal instrumento para cumpri-las seja o superávit primário, definido por uma espécie de Copom da área orçamentária. Andrade e Moraes, num trabalho, e Verdini, em outro, incorporam à regra de política monetária, segundo César Mattos, não apenas a estabilização da inflação, mas também a da relação dívida/PIB com diferentes pesos. A questão fiscal passou a figurar no centro do debate econômico nacional desde que, no início do ano passado, o ex-ministro Delfim Netto, preocupado com as elevadas taxas de juros praticadas pelo BC, decidiu sugerir que o governo passasse a adotar uma meta de déficit nominal, em substituição à de superávit primário (que exclui os gastos com juros). A proposta encontrou adeptos no governo - os ministros Paulo Bernardo (Planejamento) e Antonio Palocci (Fazenda) -, mas naufragou devido à forte resistência imposta pela ministra da Casa Civil, Dilma Roussef.