Título: Para BC, "culpa" do juro alto e do capital especulativo é mito
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2006, Brasil, p. A3

O Banco Central, em seus documentos e pronunciamentos oficiais, vem combatendo dois mitos a respeito da valorização da taxa de câmbio: de que foi provocada por fluxos de capitais especulativos, e que foi aprofundada pelos altos juros vigentes dentro do país. Há sinais, pelo contrário, de que o dólar caminha para um novo valor de equilíbrio em virtude da alta de preços de produtos de exportação e da melhora dos indicadores de solvência externa do país. De fato, as estatísticas disponíveis do balanço de pagamento não sustentam a tese de que uma enxurrada de capitais de curto prazo valoriza o real. As principais fontes de dólares são o saldo comercial (US$ 45,411 bilhões nos 12 meses encerrados em janeiro de 2006), do investimento direto (15,478 bilhões no mesmo período) e dos investimentos em ações (US$ 7,283 bilhões). Os capitais de curto prazo que ingressaram são mínimos - somaram apenas US$ 1,766 bilhão. Existe, é verdade, posições montadas por estrangeiros no mercado futuro de dólar, estimadas em cerca de US$ 10 bilhões. Mas elas só se tornaram possíveis porque o fluxo comercial e de investimentos produtivos reforça a tendência de apreciação da taxa de câmbio. É bom lembrar que a remuneração ao estrangeiro que monta posições no mercado futuro é dada não só pelo diferencial de juros interno e externo, mas também pela expectativa sobre a taxa de câmbio. Outro mito combatido pelo BC é que um eventual aprofundamento do diferencial de juros internos e externos está ampliando a apreciação cambial. Os dados não comprovam essa tese. O diferencial de juros vem se reduzindo - e não aumentando -, tanto pela queda das taxas dentro do país quanto pelo aumento dos juros em economias desenvolvidas. Desde setembro, a taxa Selic foi reduzida em 3,5 pontos percentuais, para 17,25% ao ano, e em fevereiro os swaps de 360 dias já apontam taxa de 15,25% ao ano, ante 19,2% ao ano em abril de 2005. Já nos EUA, a taxa básica subiu 3,5 pontos desde junho de 2004, chegando a 4,5% ao ano. Em mais de uma ocasião, membros da diretoria do BC chamaram a atenção de que estamos diante, na verdade, de uma valorização da taxa de câmbio provocada pela alta de preços de produtos exportados pelo Brasil, o que no jargão econômico é conhecido como melhora nos termos de troca. A taxa de câmbio é a relação entre preços internos e externos. Quando os preços externos sobem, o câmbio se aprecia. O país simplesmente fica mais rico, já que seus produtos são mais valorizados no exterior. Quando há melhora dos termos de troca, a valorização real do câmbio é inevitável, e pode ocorrer de duas formas. Uma delas é o BC não reagir, mantendo uma política monetária relaxada. A conseqüência dessa opção é que a alta de preços externos contamina os preços internos, gerando inflação. No fim das contas, a inflação corrói a taxa real de câmbio. A outra opção é fazer do jeito que o BC vem agindo: combate a inflação e impede que a alta de preços externos cause inflação. Essa alternativa provoca tanto a valorização da taxa de câmbio nominal quanto real. Embora as duas estratégias provoquem o mesmo resultado - câmbio real mais valorizado -, o combate à inflação produz um resultado mais favorável. Significa, em última instância, que os trabalhadores, que têm menos defesas contra a inflação, não vão assistir à corrosão de salários. Outro fundamento que empurra a taxa de câmbio para um novo patamar é a melhora dos indicadores de vulnerabilidade externa. A estratégia de compra de moeda estrangeira em mercado pelo BC e pelo Tesouro tem levado tanto à redução da dívida externa quanto ao acúmulo de reservas internacionais. Além disso, o setor privado amortizou um bom pedaço de seu débito. A melhora da solvência externa se traduz em indicadores como a relação entre serviços da dívida externa e exportações, que caiu de 82,7% para 56%, entre 2002 e 2004. Outro exemplo: a dívida externa líquida total sobre o PIB recuou de 35,9% para 12,3%. Em síntese, esses indicadores significam que o país está menos endividado e, portanto, precisará de menos dólares no futuro tanto para pagar juros quanto para fazer amortizações de principal. Nesse contexto mais favorável, tornam-se menos necessários megasuperávits comerciais, e o câmbio se valoriza, adequando-se a essa nova realidade.