Título: Mudanças na economia explicam dólar barato
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2006, Brasil, p. A3

Conjuntura Fatores que derrubaram moeda americana vieram para ficar

A maioria dos fatores que derrubaram o dólar nos últimos meses veio para ficar. Movimentos conjunturais como a evolução das taxas de juros no Brasil e no exterior tiveram peso importante, mas os economistas acreditam que a valorização do real em relação à moeda americana é principalmente o resultado de transformações mais profundas sofridas pela economia do país. Os juros altos do Brasil tornam o país atraente para os investidores estrangeiros porque oferecem rendimentos maiores que os obtidos nos países mais avançados. Isso tem trazido muitos dólares para o país, contribuindo para baixar a cotação da moeda americana. O Banco Central tem reduzido as taxas de juros, mas seriam necessários cortes bem maiores que os praticados pelo BC para assustar os investidores. Ao lado disso, existem outros fenômenos que pressionam o dólar. Apesar da perda de fôlego observada desde meados do ano passado e das dificuldades enfrentadas por algumas indústrias, as exportações continuam crescendo. "Existe uma desaceleração, mas ela é menos pronunciada no Brasil do que em outros países", diz o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros. Ele calcula que as exportações brasileiras crescerão 9,6% neste ano, acima dos 7,6% da média internacional, com o dólar valendo R$ 2,20 no fim do ano. O apetite chinês por matérias-primas continua insuflando a demanda mundial e isso tem feito subir os preços internacionais de várias mercadorias, ajudando os exportadores a compensar perdas geradas pela valorização do real. Não parece algo passageiro. O aumento da participação do país no comércio mundial mudou a maneira como as empresas lidam com o mercado externo. "Mesmo com o câmbio menos estimulante, elas continuam exportando para não perder clientes que foi difícil conquistar", diz o economista-chefe do banco Credit Suisse, Nilson Teixeira. Exportar traz outras vantagens para as empresas. É uma maneira de continuar ganhando dinheiro quando o mercado doméstico se retrai. Vender no exterior também ajuda a pagar menos impostos, porque as exportações são isentas de tributos e permitem que as empresas acumulem créditos que podem ser usados para quitar as obrigações com o fisco. "Tudo isso aumenta a folga que as empresas têm hoje em dia para trabalhar com taxas de câmbio menos favoráveis", diz Paulo Pereira Miguel, da Quest Investimentos. Os economistas acreditam que existe um limite para a valorização do real, a partir do qual ficaria inviável ganhar dinheiro exportando. Mas esse limite varia conforme o setor da economia e é difícil calculá-lo. O desempenho exuberante da balança comercial traz mais dólares para o país e continuará empurrando a moeda americana para baixo, apesar da redução do saldo comercial prevista para este ano. "A pressão continuaria mesmo se o saldo positivo da balança fosse zerado de uma hora para outra", afirma Nathan Blanche, da consultoria Tendências. Hoje o governo e as empresas brasileiras precisam de menos dólares para pagar suas contas e nada indica que essa situação vá mudar tão cedo. O Banco Central tinha US$ 57 bilhões em reservas no fim de janeiro, o suficiente para pagar os compromissos da dívida externa do setor público e das empresas neste e nos próximos cinco anos, estima Blanche. Nos últimos meses, o governo e as empresas aproveitaram o dólar barato para rolar suas dívidas no exterior em condições vantajosas e quitar boa parte delas antes da hora. A redução do endividamento externo do país melhorou os indicadores que os investidores estrangeiros olham com mais atenção para avaliar o risco de aplicar seu dinheiro no Brasil. O país ficou mais atraente para o capital estrangeiro. Além de oferecer as maiores taxas de juros do planeta num momento em que os países ricos pagam taxas muito menores, o Brasil parece cada vez menos arriscado. "É óbvio que os juros influem, mas a melhora nos fundamentos da economia foi mais decisiva para atrair os investidores", diz Caio Megale, da Mauá Investimentos. As projeções mais recentes indicam que o fluxo de capital estrangeiro para mercados emergentes atingirá US$ 358 bilhões neste ano, um pouco menos do que no ano passado, mas ainda assim mais do que na euforia da década de 90. "Os investidores estrangeiros querem diversificar suas carteiras e os dólares vão continuar chegando", diz o economista Paulo Tenani, estrategista do UBS Wealth Management.