Título: Indústria se protege do câmbio e estrutura produtiva pode mudar
Autor: Raquel Landim e Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2006, Brasil, p. A4

Conjuntura Economistas e empresários não temem desindustrialização, mas importação vai aumentar

A indústria brasileira já detonou um movimento preventivo para conviver com o câmbio entre R$ 2,0 e R$ 2,30. As empresas estão contratando produção na China e em outros países, abrindo filiais no exterior, ampliando a aquisição de insumos e matérias-primas importadas e reduzindo outros custos internos. Essa ação "preventiva", contudo, pode evoluir para uma mudança definitiva na estrutura produtiva do país, caso a cotação do dólar se consolide no patamar atual. Com a cotação da moeda americana próxima a R$ 2, as indústrias tendem a se especializar na produção de bens finais e a importar mais insumos, peças e componentes, acreditam os especialistas. Produtos menos sofisticados, como calçados, roupas e alguns eletrodomésticos podem ser importados prontos. O impacto tende a ser maior sobre pequenas companhias, que não possuem escala suficiente para importar insumos da China, e tendem a desaparecer caso não encontrem um nicho de mercado pouco explorado. Para o professor da Unicamp, Mariano Laplane, o país perderá a capacidade de agregar valor à produção industrial, com reflexos sobre o emprego. Ele descarta, no entanto, a desindustrialização da economia dada à alta competitividade do país em alguns insumos. Laplane cita como exemplo componentes mecânicos e alumínio. "Será um processo de substituição gradativa. A capacidade de substituição dos insumos não é uniforme", diz. Em alguns setores, os insumos são como commodities e a logística de importação é bastante simples. Em outros, chega a ser mais barato importar o produto pronto. Mas há casos nos quais a sofisticação do item dificulta a troca de fornecedor. Algumas empresas começam a acelerar a substituição de insumos nacionais por importados. A Weg, fabricante de motores elétricos, ampliou as importações de matérias-primas. Desde janeiro, a empresa compra em outros países barros de eixo e vergalhões de cobre, insumos antes adquiridos no mercado interno. A Portobello, produtora de revestimentos cerâmicos, está comprando rolos refratários da China. Já a fabricante de autopeças Bosch resiste. "Ainda não observamos queda nas vendas externas, mas a rentabilidade vem caindo", explica o vice-presidente da divisão de sistema diesel, José Mauro Pelosi. Mesmo assim, o executivo diz que não planeja trocar seus fornecedores brasileiros por produtos importados. Esse tipo de mudança, explica, pode provocar um problema de longo prazo. "Se começamos a importar muito, fragilizamos a base local de fornecedores e depois, caso o câmbio desvalorize novamente, ficamos sem bons produtos aqui", explica Pelosi. E, segundo ele, não é fácil achar em outros países uma base semelhante em qualidade e performance. "O câmbio nesse patamar é uma condição do jogo. Não dá para achar que vai mudar. Temos que mostrar para a matriz que somos competitivos mesmo assim", diz. Por isso, Pelosi afirma que a saída é buscar produtividade, tornando os processos mais enxutos com a mesma qualidade. "O desafio é interno. Evitar desperdícios, melhorar a logística e, assim, compensar a questão do câmbio". A empresa exporta 55% de sua produção. A substituição de insumos nacionais por importados ainda não aparece de forma clara na balança comercial. A quantidade importada de bens intermediários aumentou 13,5% em janeiro desse ano ante igual mês de 2004. É um ritmo superior aos 6% registrados na mesma comparação em dezembro e aos 2,8% de novembro. No entanto, o economista Júlio Callegari, do J. P. Morgan, atribui o aumento das importações à atividade econômica, que recuperou o fôlego no primeiro bimestre do ano. "Se o câmbio se consolidar em R$ 2,00, o efeito pode ser mais forte", diz. Durante 2005, a importação de bens intermediários foi fraca. Enquanto a produção industrial aumentou 3%, a quantidade importada de bens intermediários cresceu 6%. Em épocas de forte substituição de insumos nacionais por importados, a importação de bens intermediários pode ser até quatro vezes superior à produção. Boris Tabacof, diretor do departamento de economia do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), explica que uma série de fatores retarda os efeitos do câmbio valorizado na produção e na exportação. Setores como celulose, siderurgia ou química, diz ele, não podem reduzir a produção por conta do alto custo fixo. Para Laplane, a substituição de insumos nacionais por importados "é uma questão de tempo". Segundo ele, as mudanças na estrutura produtiva dependem da convicção dos empresários de que o real vai continuar valorizado. Alguns empresários começam a acreditar que o dólar pode permanecer próximo a R$ 2,00 por um bom tempo. Na Arno, as exportações, em volume, caíram 15% no primeiro bimestre. "E o problema é que não esperamos mudanças significativas no câmbio nos próximos seis meses", diz o presidente da companhia, Márcio Cunha. Por isso, a empresa não vê alta das das exportações esse ano. "Vamos canalizar as forças para o mercado interno. Esperamos crescimento de 10% nas vendas domésticas". Para o economista da Unicamp e da Facamp, Fernando Sarti, o efeito mais perverso da valorização do real é a redução dos investimentos. Por falta de competitividade no país, algumas empresas optam por transferir linhas de produção ou até abrir fábricas no exterior. A Empresa Brasileira de Compressores (Embraco) está construindo uma nova sede para aumentar a produção na China de 2,3 milhões de compressores por ano para 4,4 milhões. A inauguração da nova unidade está prevista para maio. A Marcopolo, maior fabricante de carrocerias de ônibus, decidiu instalar sua sexta unidade na Rússia. A Santista Têxtil estuda construir uma fábrica na América Central, para usufruir dos benefícios do acordo de livre comércio da região com os Estados Unidos. E a Azaléia, fabricante de calçados, está contratando produção na China e exportando diretamente de lá para os Estados Unidos com sua marca. Para Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Indústria (Iedi), o atual patamar do câmbio está diminuindo a receita das grandes companhias, que destinam hoje uma fatia maior de sua produção para o exterior. Essas empresas também reduziram suas dívidas em dólar, portanto, aproveitam menos os benefícios da alta do real. "Esse câmbio não reflete as condições de competitividade da economia. É irreal para o custo do país", diz Antonio Correa Lacerda, professor da PUC e consultor da Siemens. Ele argumenta que o real valorizado encarece o custo da mão-de-obra e de insumos . As empresas tendem a aliviar esse efeito redirecionando a produção para o mercado interno e engavetando projetos. (colaborou Vanessa Jungerfeld, de Florianópolis)