Título: Carta ao Povo Brasileiro II divide o PT e adia reunião do diretório nacional
Autor: Maria Lúcia Delgado e Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2006, Política, p. A6

Já causa desconforto no PT a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de divulgar, antes da eleição de outubro, uma nova Carta ao Povo Brasileiro, que seria uma espécie de compromisso programático caso seja eleito para o segundo mandato. A idéia foi apresentada a Lula pelo presidente nacional do PSB, Eduardo Campos (PE), e assimilada por dirigentes petistas e do PCdoB. Há dois meses, Lula pediu aos aliados mais próximos que começassem a elaborar o texto. Os petistas ponderam que um documento com diretrizes programáticas teria que ser exaustivamente debatido por todas as instâncias partidárias. O incômodo aumentou depois das especulações de que o ex-ministro Tarso Genro já teria um esboço da carta. "Não estou redigindo qualquer tipo de carta, não há isso. As pessoas têm que entender que qualquer carta vai obedecer às diretrizes do presidente. Não será uma carta de um partido, ou de um grupo do governo. Será conduzida por Lula", disse Tarso ao Valor, deixando evidentes as discordâncias petistas. O clima no partido ficou ainda mais tenso com a decisão do presidente da legenda, Ricardo Berzoini, de adiar a reunião do diretório nacional, prevista para os dias 4 e 5 de março, para o dia 18 de abril. Para a cúpula petista, o partido deve evitar debates acalorados exatamente no momento em que Lula recupera-se nas pesquisas. O principal nó, na visão do PT, seria a abordagem dada à política econômica nesta segunda carta ao povo brasileiro. Em nenhum momento cogitou-se sinalizar, no novo pacto, mudança de rumo na condução da economia. O que se pretende é firmar um compromisso de desenvolvimento, com defesa da redução dos juros e queda gradual do superávit primário. Sem radicalismos. Já a resolução do diretório nacional do PT, de dezembro de 2005, é explícita. "Consideramos fundamental reduzir de forma significativa e sustentada as taxas de juros (...) O caminho do crescimento permite reduzir a relação dívida/PIB, sem os sacrifícios resultantes das metas de superávit primário, que devem ser reduzidas", diz o texto petista. O PT trata ainda, na resolução, da necessidade de uma reforma de Estado para combate à "corrupção sistêmica". Em 22 de junho de 2002, quando Lula se dirigiu à nação por meio da Carta ao Povo Brasileiro, a reação do PT foi negativa. Lula afirmava que preservaria o quanto fosse necessário o superávit para reduzir a dívida interna. O PT entendeu o recado como submissão ao mercado. Um outro aspecto que preocupa os petistas é como a Carta ao Povo Brasileiro II trataria a questão da governabilidade, um aspecto que, aliás, deixa inquietos os investidores estrangeiros. Há um grande segmento no PT que resiste à repetição de alianças que Lula fez no primeiro mandato, com o PTB, PP e PL, partidos que, assim como o PT, foram envolvidos no escândalo do mensalão. Lula acha necessário não só manter a coalizão como ampliar a aliança com o PMDB. Para o secretário-geral do PT, Raul Pont, o debate sobre a nova Carta deve estar subordinado ao calendário do partido. "As diretrizes do programa de governo, a política de alianças e a ratificação da candidatura de Lula certamente serão resultado de um debate coletivo do partido. Portanto, isso deve anteceder qualquer comunicação de campanha, como a Nova Carta ao Povo Brasileiro", disse Pont. O secretário-geral do PT disse que nunca ouviu falar da nova versão da Carta, e sequer sabe de quem foi a idéia. Pont alerta, ainda, que o PT não pode se recusar a discutir amplamente a política de alianças. "Temos que fazer um balanço. É impossível que digam: olha, não aconteceu nada, não tivemos nenhum problema com o PTB, o PL e o PP", diz. Ele alega que os rituais partidários não podem afetar a reeleição de Lula, nem mesmo se o presidente pensar diferente do partido. "Isso não é mão única. O compromisso tem que ser feito dos dois lados". Segundo Tarso Genro, Lula tem uma visão clara de que "a política fiscal já tem acúmulo de resultados e que um novo mandato terá uma nova diretriz".