Título: A presidência russa no G-8
Autor: Vladimir V. Putin
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2006, Opinião, p. A11

Segurança energética, luta contra doenças contagiosas e educação são temas centrais no mandato

Com a chegada de 2006, chegou a vez da Rússia assumir a presidência no G-8. Compreendemos bem como é sério este trabalho e alta a responsabilidade. Temos em frente não só grande atividade organizativa. O principal é apresentar para discussão e definir em conjunto com outros as questões prioritárias e substantivas do trabalho deste prestigiado fórum que, em mais de 30 anos, tem sido um dos mecanismos-chave para concertar as soluções dos problemas mais importantes do desenvolvimento mundial. Propomos nos concentrar em três temas: a segurança energética global, a luta contra doenças contagiosas e a educação. Estas prioridades visam aumentar a qualidade e o nível de vida das pessoas, tanto da geração atual como das futuras. Sem dúvida, uma das tarefas estratégicas do G-8 e da comunidade internacional é criar um sistema universal de segurança energética. O ramo global de energia hoje é a mais importante força propulsora do progresso econômico e social. A instabilidade nos mercados de hidrocarbonetos cria uma ameaça real ao fornecimento global da energia. Sobretudo, aumenta a discrepância entre procura e oferta. É evidente o crescimento do consumo de recursos energéticos na Ásia. Para equilibrar a situação, é preciso que toda a comunidade internacional trabalhe coordenada. O ponto de partida desta nova atitude dos países líderes mundiais deverá ser o reconhecimento de que o ramo energético tornou-se global, e portanto a segurança energética é indivisível. O destino energético comum significa responsabilidade comum, riscos e vantagens comuns. Numa estratégia para alcançar a segurança energética global, os fundamento devem ser fornecimento energético duradouro, seguro, ecologicamente aceitável, a preços fundamentados e aceitáveis a países exportadores e consumidores. Além da conciliação de interesses, há que definir medidas práticas para assegurar o abastecimento estável da economia mundial de recursos energéticos tradicionais, a implementação ativa de programas para poupar energia e de uso de fontes alternativas. O abastecimento equilibrado e uniforme é condição para um mundo em segurança. Devemos deixar às futuras gerações uma arquitetura energética que as preserve de conflitos pela provisão de energia. A Rússia é a favor de uma conjugação mais estreita de esforços do G-8 e de toda a comunidade internacional para dominar novas tecnologias. Isso poderia constituir a primeira etapa na criação de uma base tecnológica para abastecer a humanidade de energia no futuro, quando acabar o potencial energético na sua forma atual. Uma atitude sistêmica quanto ao aumento da eficiência energética e do desenvolvimento econômico e social também servirá para a segurança energética global. Passos importantes foram dados pelo G-8, em 2005, com a aprovação do Plano de Ação que visa incentivar inovações, poupança da energia e proteção ambiental. São importantes na implementação dessas medidas países que não fazem parte do G-8, especialmente os Estados em vias de rápido crescimento e industrialização. Para a maioria, segurança energética está ligada aos interesses dos desenvolvidos. Mas não se deve esquecer que hoje cerca de 2 bilhões de pessoas não recebem serviços energéticos modernos, e muitas nem sequer têm acesso à energia elétrica. O ramo energético por si só não resolve o problema da pobreza. Mas a falta de recursos energéticos trava o crescimento econômico e o seu uso irracional pode levar a uma catástrofe ecológica de escala global.

De reunião de cúpula a reunião de cúpula, o G-8 ganha uma visão cada vez mais nítida dos problemas contemporâneos e procura apontar soluções

É preciso compreender que no mundo contemporâneo, interdependente, o "egoísmo energético" representa uma via sem saída. A redistribuição da energia de acordo com interesses apenas do reduzido grupo de países mais desenvolvidos não corresponde aos objetivos e às tarefas do desenvolvimento global. É preciso um sistema de segurança energética que considere interesses de toda comunidade internacional. No decorrer da história, a humanidade tem sido forçada a lutar contra a propagação de doenças infecciosas. O progresso alcançado pode inspirar esperança: em todas as áreas está liquidada a varíola e a luta contra a poliomielite está chegando à sua última fase. Porém, enfrentamos explosões de doenças já conhecidas e novos males extremamente perigosos. Hoje as doenças contagiosas são a causa de uma em cada três mortes no mundo. Segundo peritos, há possibilidades de surgimento nos próximos anos de nova gripe pandêmica capaz de tirar milhões de vidas. O G-8 não deve estar fora de problemas de tão grande escala. A diferença nos níveis do desenvolvimento dos sistemas públicos de saúde, bem como as possibilidades financeiras e o potencial científico desiguais, são a base da má distribuição de recursos destinados à luta contra infecções. Propagando-se com intensidade diferente em diversas regiões, as doenças contagiosas indicam problemas sociais e econômicos, reforçam a desigualdade social e contribuem para a discriminação. Nos últimos anos, a humanidade tem sentido a força destrutiva de terremotos, inundações, tsunami. A urbanização e o alargamento das redes de transportes e da infra-estrutura industrial fazem-nos mais vulneráveis a calamidades naturais. As calamidades expõem o mundo ao perigo de explosões de doenças infecciosas capazes de tirar milhares de vidas. Consideramos outra prioridade a criação de um sistema global de prevenção e luta contra as conseqüências epidemiológicas das catástrofes naturais. Também podemos pensar em uma infra-estrutura única, capaz de reagir rápido ao surgimento de epidemias. A causa de muitas doenças em massa está também nas crises humanitárias, ligadas sobretudo a conflitos militares. Isso aumenta a ameaça de focos epidemiológicos. O G-8 pode consolidar esforços internacionais em situações de emergência semelhantes. E é preciso que o G-8 continue a contribuir para o incremento científico, unindo os recursos intelectuais e materiais da comunidade internacional para a criação de novas vacinas, meios de diagnóstico de alta precisão de doenças e programas de prevenção e esclarecimento. Na área de ensino, nossas tarefas comuns merecem séria atenção. Na sociedade de informação pós-industrial, a educação torna-se fator obrigatório para ascensão social e um recurso importante do desenvolvimento econômico. É um dos principais fatores de conscientização social, ética e do fortalecimento da democracia. E à medida que há aperfeiçoamento das tecnologias, o mercado prefere especialistas mais qualificados, o que aumenta as exigências ao sistema de ensino. Estão dadas as precondições para a formação de um espaço educativo comum. Essas tendências ganham força no início nos países desenvolvidos. Ao mesmo tempo, em muitos países agrava-se o problema de acesso, inclusive ao ensino básico. Essa é uma catástrofe humanitária. A iliteracia em massa é o meio que alimenta os ideólogos da cisão intercivilizacional, da xenofobia, do extremismo étnico e religioso e do terrorismo internacional. Em vista disso, é importante formular uma ação educacional ampla e sistêmica. Com a crescente mobilidade da população do planeta e aumento das migrações, ganha especial importância o problema da adaptação em outro meio cultural. Por isso é preciso dar atenção à modernização de sistemas educativos nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. A Rússia está disposta a contribuir para unir esforços da comunidade mundial para aumentar a qualidade e compatibilizar exigências do ensino profissional. Isso é condição para utilizar e propagar inovações. A abertura dos institutos de ensino adequados às necessidades dos setores de alta tecnologia é uma condição necessária da competitividade das economias nacionais. A par dessas prioridades, a presidência russa no G-8 prosseguirá na luta contra o terrorismo internacional e a proliferação das armas de destruição em massa. Continuarão no centro das atenções a assistência ao desenvolvimento, a prevenção da degradação ambiental e questões atuais da economia, finanças e comércio mundiais. E manteremos esforços concentrados para resolver conflitos regionais, primeiro no Oriente Médio e no Iraque, e na estabilização da situação do Afeganistão. A Rússia está disposta a contribuir para que o G-8 avance no diagnóstico dos problemas mundiais e desenvolva ações mais eficientes para solucioná-los. A continuidade e a evolução são um lema da presidência da Rússia, que está a começar.