Título: Brasil pede tempo
Autor: Fleck, Isabel; Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 20/05/2010, Mundo, p. 28

Em carta aos demais membros do Conselho de Segurança, o chanceler Celso Amorim e o colega turco argumentam em favor de uma revisão do acordo que fecharam com o Irã. Lula adverte sobre risco de retrocesso

Com a abertura formal de discussões no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre uma nova rodada de sanções ao Irã, o governo brasileiro jogou nas costas das cinco potências com poder de veto os membros permanentes do organismo a responsabilidade por um retrocesso no impasse nuclear. Em Madri, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, se o conselho se reunir sem vontade de negociar, tudo vai voltar atrás. Em Brasília, o chanceler Celso Amorim previu que a ampliação das sanções levará a um adiamento da solução pacífica por dois ou três anos. O ministro brasileiro e o colega turco, Ahmet Davutoglu, enviaram carta (leia Trechos) aos demais 13 países que integram o conselho Brasil e Turquia ocupam cadeiras rotativas na qual manifestam inteira confiança de que o grupo cinco mais um vai rever sua posição depois de examinar o texto do acordo firmado segunda-feira em Teerã.

Em Washington, no entanto, o presidente Barack Obama jogou mais um balde de água fria na esperança brasileira, ao se dizer satisfeito com o projeto de sanções costurado com França, Reino Unido, Rússia, China e Alemanha. Estou satisfeito que tenhamos chegado a um acordo com os parceiros do grupo cinco mais um para uma resolução mais forte, que agora discutimos com nossos parceiros no Conselho de Segurança, disse Obama. Mais cedo, o chanceler russo, Serguei Lavrov, havia confirmado, em telefonema à colega americana, Hillary Clinton, que seu país está de acordo com o projeto, que prevê vigilância sobre a entrada e saída de mercadorias do Irã e restrição a transações bancárias.

Para o governo iraniano, as potências ocidentais perdem credibilidade ao tentar aplicar mais barreiras. Segundo o vice-presidente Ali Akbar Salehi, que também é diretor da Agência Iraniana da Energia Atômica, os países do cinco mais um têm dificuldade em aceitar que, pela primeira vez, os emergentes possam defender seus direitos no cenário internacional sem recorrer a eles. Salehi acusou os EUA e seus aliados de forçarem um confronto. Eles sempre estão buscando desculpas e pretextos para exercer pressão política sobre o Irã. Seu principal propósito é nos induzir ao enfrentamento com o Ocidente, apesar de nós insistirmos que não queremos esse conflito.

Ameaças Após ministrar uma palestra sobre o Irã aos jovens diplomatas do Instituto Rio Branco, o minisro Celso Amorim disse que não acha positivo ficar fazendo ameaças com sanções. Acho também que o Irã, se for inteligente, não vai dar bola para isso e vai continuar fazendo o que tem que fazer, acrescentou. Comentando a possibilidade de o projeto apresentado pelos EUA passar pelo conselho, Amorim lembrou que será preciso encontrar pelo menos quatro membros não permanentes que aceitem a proposta. Além de Brasil e Turquia, fazem parte desse grupo Áustria, Bósnia, Japão, México, Uganda, Gabão, Líbano e Nigéria. Segundo Amorim, os colegas dos três primeiros já se mostraram muito interessados em conversar.

O chanceler descartou que o Brasil tenha encampado uma batalha ideológica pró-Irã, negou que haja algum mal-estar com os EUA e lembrou que quem primeiro incitou o Brasil a se interessar pelo tema foi o presidente Obama. Estava todo mundo tão cético de que ia acontecer alguma coisa que foram pegos de surpresa. Então, temos que dar uma tolerância às reações precipitadas, sobretudo porque não são definitivas.

Estou satisfeito que tenhamos chegado a um acordo para uma resolução mais forte, que agora discutimos no Conselho de Segurança

Barack Obama, presidente dos EUA

Se eles (o conselho) se sentarem sem querer negociar, tudo vai voltar atrás

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil

Trechos Carta dos chanceleres

A Declaração Conjunta ressalta o direito de desenvolver a pesquisa, a produção e o uso da energia nuclear para fins pacíficos, e ao mesmo tempo destaca a firme convicção dos três países de que a troca de combustível nuclear dará oportunidade para o início de um processo destinado a criar uma atmosfera positiva, construtiva e oposta ao confronto, capaz de levar a uma era de interação e cooperação.

Temos inteira confiança em que o grupo cinco mais um revisará a Declaração Conjunta, com vistas a aplainar caminho para alimentar de combustível o reator de pesquisas de Teerã, e considerando os assuntos relacionados ao programa nuclear iraniano, assim como as questões mais amplas de interesse mútuo, por meio do diálogo.

O Brasil e a Turquia estão convencidos de que é hora de dar uma chance para as negociações e evitar medidas que sejam prejudiciais a uma solução pacífica desse assunto.

Duelo de argumentos

Todo o debate sobre a necessidade de novas sanções ao Irã tem por base a desconfiança alegada pelo Ocidente sobre os propósitos do programa nuclear iraniano. Mas por que Teerã é acusado de não estar em conformidade com o Tratado de Não Proliferação (TNP), do qual é signatário desde a aprovação, em 1968? De 2006 a 2008, o Conselho de Segurança (CS) adotou quatro resoluções determinando que o Irã suspendesse de forma completa e sustentada suas atividades de enriquecimento e reprocessamento de urânio. A justificativa inicial foi de que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) era incapaz de determinar se havia no país material atômico ou atividades não declarados. Na Resolução 1.696, de julho de 2006, o CS alegou que o Irã não colaborou com a AIEA durante mais de três anos de tentativa da agência de esclarecer todos os aspectos do programa nuclear.

O projeto de resolução apresentado pelos Estados Unidos ao CS, na última terça-feira, menciona o não cumprimento, pelo Irã, dessas quatro decisões anteriores, assim como a descoberta de uma segunda instalação de enriquecimento não declarada previamente à AIEA, em Qom. Washington ainda afirma que o Irã enriqueceu urânio a 20% sem notificar a agência com tempo suficiente para que ajustasse os procedimentos de salvaguarda já existentes.

No campo oposto, o argumento é de que o Irã, como país signatário do TNP, tem pleno direito a desenvolver a pesquisa, a produção e o uso da energia nuclear para fins pacíficos, sem discriminação, como garantido no artigo 4º do tratado. O enriquecimento a 20% estaria coberto por esse quesito, já que se destina a atividades medicinais.