Título: Dúvidas sobre a recuperação de Lula
Autor: Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2006, Política, p. A6

Que Lula não estava eleitoralmente inviável quando passou a fase aguda da crise ética que desnudou o Palácio do Planalto e os partidos da aliança governista, os analistas já vinham dizendo, e aqui registramos, desde final de novembro para início de dezembro do ano passado. Eles se baseavam nas rodadas de pesquisas da ocasião. Nem por isso, porém, deve-se tomar como trivial, ou quadro definitivo, o resultado de profundas mudanças apontado na sondagem de opinião feita pelo Instituto Sensus, de Belo Horizonte, para Clésio Andrade, presidente da Confederação Nacional dos Transportes, neste mês de fevereiro. A cautela sugere à assessoria de campanha do presidente Lula, em primeiro lugar, e principalmente ao PT, que retomou o salto alto de tempos memoriais, aguardar um pouco mais de tempo para as comemorações pela virada. Até mesmo experientes estudiosos de pesquisas de opinião têm alertado para a precariedade de uma análise baseada em uma só pesquisa como indicador do quadro do momento. Principalmente quando há inúmeros questionamentos a respeito do levantamento, como, por exemplo, o fato de ter sido feita apenas quatro dias depois de uma outra pesquisa, que apontou o seu inverso. O Instituto Datafolha mostrou, com levantamento nos dias 1 e 2 de fevereiro, ouvindo 2.590 pessoas em 153 cidades e margem de erro de dois pontos, que a popularidade do presidente Lula havia crescido entre os pobres. O reflexo disto na disputa eleitoral, para ficarmos no principal adversário que ganharia do presidente na rodada anterior, o prefeito Jose Serra (PSDB), era que Lula estava empatado com Serra (PSDB) no primeiro turno, mas no cenário em que os tucanos chegavam ao segundo turno com Serra, Lula perdia, ainda por 49% a 41%. A diferença, antes de 14 pontos a favor de Serra, caiu para 8. Mas ainda uma diferença significativa. Quatro dias depois, dia 6, a pesquisa Sensus ouviu 2000 pessoas em 195 municípios, com margem de erro de três pontos, chegando à conclusão de que o presidente Lula seria reeleito no primeiro turno se o candidato tucano não fosse Serra, e, se fosse, num cenário de segundo turno, Lula venceria a eleição, derrotando Serra por 10 pontos de diferença. Ou seja, superaria os 8 pontos favoráveis a Serra da pesquisa de quatro dias antes e ampliaria a vantagem para mais dez.

Comemoração precipitada no Palácio do Planalto?

Por mais que o presidente tenha intensificado sua campanha de reeleição a partir do fim de dezembro, tendo um janeiro inteiro de atividades para reconquistar o eleitor, causou estranheza que os entrevistados do Datafolha e os entrevistados do Sensus tenham tido opiniões tão diferentes em tão curto espaço de tempo. Não há ninguém, nem mesmo os especialistas, dizendo que a pesquisa Datafolha está defasada, ou que a pesquisa Sensus está errada, ou apoiando a bobagem produzida na liderança do PSDB, que ameaçou pedir uma auditoria deste último levantamento. O que se diz é que é preciso esperar novos dados para ver se o quadro foi realmente alterado. O diretor do Instituto Vox Populi, Marcos Coimbra, que inclusive já fez trabalhos para o governo, é um dos mais cautelosos. "Para mim, é prematuro e precipitado soltar foguetes, como se vê no Planalto. Nós só temos um resultado de uma recuperação expressiva, que é o dessa pesquisa Sensus da semana passada", pondera Coimbra. Na sua avaliação, o Datafolha da semana anterior não mostra a mesma coisa, como se quer fazer crer. A recuperação registrada nesta pesquisa "é pequena e coerente com a pesquisa do Ibope, que já permitia afirmar - um pouco naquela conjugação de baixo noticiário negativo, com aumento do noticiário positivo - que Lula tinha parado de cair e invertido uma tendência de acentuado enfraquecimento que tinha sido identificado em dezembro". Para Coimbra, o Datafolha registrar uma queda de Serra e uma recuperação de Lula, mas ainda colocando Serra um pouco na frente no cenário de segundo turno é coerente com a evolução dos acontecimentos. O inusitado foi o salto na manifestação contrária do eleitorado quatro dias depois, na pesquisa Sensus. "Não estou dizendo que está errado, estou dizendo apenas que, como foi um resultado isolado, é cedo para dizer que já ocorreu a mudança do quadro". Só com mais um ou dois conjuntos de dados será possível, na opinião de Marcos Coimbra, dizer o que de fato está acontecendo na cabeça do eleitor. "Lula se recuperou; quanto ele recuperou é que é a dúvida". Se recuperou tanto quanto a pesquisa Sensus mostrou, ou se ainda passa por um processo um pouco mais lento, o que significa que terá um caminho longo a percorrer até estar na frente de qualquer candidato num cenário de segundo turno, só o tempo dirá, com os novos dados.