Título: Carta magna dos fundos
Autor: Angelo Pavini e Catherine Vieira
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2004, Eu & Investimentos, p. D-1

Entra em vigor hoje a Instrução 409 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que passa a regulamentar toda a indústria de fundos de investimentos. No entanto, a CVM concederá aos gestores um prazo um pouco maior para que se adaptem às novas regras. Inicialmente, os fundos deveriam estar ajustados até o dia 31 de dezembro. Mas, segundo apurou o Valor, a CVM vai aumentar esse prazo em um mês, em comunicado que deve ser feito hoje ou amanhã ao mercado. Segundo o presidente da autarquia, Marcelo Trindade, serão feitas ainda pequenas mudanças na instrução. "São coisas absolutamente pontuais, detalhes que não alteram as questões mais importantes", informou. Ele disse ainda que o prazo maior para adaptação será para alguns pontos da MP e que a CVM atendeu a alguns, mas não a todos os pedidos feitos pela Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). O Valor antecipou a expectativa de adiamento em 11 de novembro. Após a intervenção do Banco Central no Banco Santos, a CVM chegou a cogitar mudanças mais profundas na 409, reforçando os limites para alguns ativos em função da grande quantidade de Cédulas de Crédito Bancário (CCB) de qualidade duvidosa encontrada em alguns fundos do Santos. No entanto, os principais executivos da autarquia avaliaram na sexta-feira que seria muito complexo fazer as alterações agora. É possível que elas venham num segundo momento, após a adaptação do mercado às novas regras e à solução dada ao Banco Santos. O prazo maior para o ajuste foi necessário dadas as indefinições em relação às Medidas Provisórias 206 e 209, que estabelecem a nova tributação regressiva das aplicações e que ainda têm de passar pelo Congresso e ser regulamentadas pela Receita, explica Alexandre Zakia Albert, diretor de Produtos do Itaú. "O prazo de 31 de dezembro era quase impossível", diz ele, que ainda acha final de janeiro um prazo exíguo. "O ideal seria 90 dias para fazer todos os ajustes com calma", explica. Cada fundo terá de fazer assembléias e mudar sistemas para se ajustar à 409 e também às MPs e o ideal, segundo os gestores, seria fazer tudo de uma vez só. Independente das assembléias, porém, muitos pontos da 409 referentes ao mercado em geral, já passam a valer a partir de hoje. Entre eles, o que permitem ao gestor fechar o fundo para saques ou o que facilita a abertura de fundos. Zakia lembra que os cotistas não devem se preocupar com as mudanças, uma vez que serão informados por carta das assembléias dos fundos e quais mudanças serão propostas com pelo menos dez dias de prazo. As mudanças só entram em vigor 30 dias após a assembléia. A principal discussão deve ser com relação à divisão dos fundos atuais em curto e longo prazo. Pela MP 209, apenas os fundos com papéis com prazo médio acima de um ano terão direito às alíquotas menores, de 17,5% e 15% nas aplicações a partir de um e dois anos, respectivamente. Para os curto prazo, valerão apenas as alíquotas de 22,5% - até seis meses - e 20% - de seis meses a um ano. A mudança seria a partir de janeiro. A tendência dos grandes bancos é transformar os fundos atuais de varejo das categorias renda fixa e DI em curto prazo, uma vez que a característica desses investidores é a aversão ao risco, explica Bruno Stein, da Unibanco Asset Management (UAM). Quem estiver disposto a correr mais risco para pagar menos imposto teria então a opção de sacar e aplicar em fundos específicos de longo prazo. Vários bancos já têm essas carteiras, mas com poucos aplicadores, uma vez que o prazo maior faz as cotas terem oscilações e até perdas momentâneas que afugentam os mais conservadores. O Itaú deve seguir a mesma tendência no varejo, diz Zakia, acrescentando porém que a adaptação vai depender da família de fundos e do tipo de cliente. "Por exemplo, um fundo de pensão tem uma tributação diferente, assim como algumas empresas que têm fundos exclusivos", diz. Nos exclusivos de pessoas físicas, a situação vai depender do apetite de risco do aplicador. No HSBC, Fernando Meibak, responsável pela área de asset, diz que os fundos de renda fixa da área private devem se tornar longo prazo e os de varejo, curto prazo. Zakia lembra que uma diferença de 5% de imposto representa quase 2% de ganho ao ano a mais, levando-se em conta o juro atual de 17,25% do CDI. O impacto é ainda maior em fundos multimercado, que buscam superar o CDI. "Por isso acho que muitos multimercados devem buscar se classificar como longo prazo", diz. O prazo extra dará um pouco mais de folga para a operação de guerra que está em andamento nos principais bancos para ajustar os fundos. O processo inclui convocar centenas de assembléias, mudar milhares de sistemas e enviar correspondências para mais de 9 milhões de cotistas. Apenas o Bradesco deverá enviar 2 milhões e meio de cartas aos investidores de seus 600 fundos. A previsão é de dez assembléias por dia em dezembro, diz Carlos Otero, diretor de Renda Fixa da Bradesco Asset Management (BRAM). Ele lembra que algumas exigências da CVM demandam mudanças complexas, como por exemplo calcular o Value-at-Risk (VaR) do principal papel de cada carteira de renda fixa, exigência feita antes apenas para fundos de ações. O Var estima qual pode ser a perda máxima de um ativo levando em conta as maiores variações do passado. "Muitos bancos ainda precisam montar esses sistemas", diz Otero. No Unibanco, são 600 mil correspondências para os cotistas dos 500 fundos, diz Bruno Stein. Os bancos pretendiam começar a mandar as cartas nesta semana, marcando as assembléias no começo de dezembro. Com o adiamento, as assembléias devem ficar mais para o fim do ano. O BankBoston está programando assembléias para os seus 60 mil cotistas para a primeira quinzena de dezembro, afirma a superintendente de produtos, Renata Silveira. Os gestores lembram ainda que há pontos a serem definidos pelo governo. Caso por exemplo dos fundos de cotas (FAC), que aplicam em várias carteiras de FIFs. "Como vai ser a classificação de prazo dele, vai poder aplicar só em FIF de longo prazo ou vai valer o prazo médio das carteiras onde ele aplicar?", pergunta Zakia. Os bancos têm enfrentado dificuldades também em obter a assinatura dos grandes investidores na declaração em que admitem que são qualificados e conhecem o mercado. Alguns temem não poder depois reclamar na Justiça por perdas. O resultado final do adiamento do ajuste será também que os investidores terão de esperar um pouco mais para planejar as aplicações com base na nova tributação, uma vez que os fundos só estarão diferenciados como curto e longo prazo provavelmente no final de janeiro. (Colaborou Flavia Lima)