Título: Investidor externo derruba dólar
Autor: Cristiane Perini Lucchesi
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2004, Finanças, p. C-1

Esqueça os ataques especulativos contra o real. Hoje os investidores estrangeiros mais agressivos montam posições vendidas em dólar. Eles estão entre os principais responsáveis pela desvalorização da moeda americana no período mais recente. Eles recorrem ao real em busca das altas taxas de juros no Brasil. Os ganhos chegam a 16% ao ano sem contar a variação cambial. É verdade que não é só contra o real que o dólar vem se enfraquecendo. Desde a reeleição do presidente George Bush, no início deste mês, o mercado passou a apostar com força no aumento do déficit em conta corrente americano e na manutenção do déficit fiscal, puxando o valor do dólar para baixo contra todas as moedas, inclusive euro e iene. "O perigo é vivermos uma crise cambial ao contrário da crise asiática de 97, com forte desvalorização do dólar", define o economista-chefe para mercados emergentes do ABN AMRO, Arturo Porzecanski. Mas, no Brasil, o enfraquecimento da moeda forte veio se aliar a um grande diferencial de juros. "Há um crescente interesse dos investidores externos pelas aplicações em reais e esse é um dos principais fatores para a desvalorização mais recente do dólar", diz José Berenguer Neto, vice-presidente executivo do ABN AMRO.

Na sexta-feira, a moeda americana terminou a R$ 2,7860, em alta de 0,29% no dia, mas com desvalorização nominal de 2,55% no mês e de 4% no ano. Desde seu pico deste ano, em 20 de maio, o dólar já caiu 15,36%. Seu valor máximo histórico foi de R$ 3,99, em 10 de outubro de 2002. Deste então, caiu 30,18%. Inicialmente, foram os fundos mais especulativos, de "hedge", que se interessaram por tomar dinheiro em dólar e aplicar em reais, assumindo o risco cambial e ganhando com o diferencial nas taxas de juros. Hoje, os fundos mútuos e os dedicados a mercados emergentes também adotam esse tipo de prática, além da tesouraria de bancos. "O momento tem sido bom para ficar com posições compradas em juros prefixados em reais", concorda Alberto Gaidys, diretor do BankBoston. Não é à toa que o mercado futuro de juros dos Depósitos Interfinanceiros (DI) na Bolsa de Mercadorias & Futuros mostra forte giro neste ano, com 88,1 milhão de contratos negociados até o dia 19 de novembro, na comparação com os 57,6 milhões de todo o ano passado, segundo a BM&F. O aumento é de 53%. O investidor institucional externo vem aumentando suas posições compradas e reduzido as vendidas. Em 2 de janeiro, eram 346.469 as posições compradas desse tipo de investidor em DI (17,71% do total), na comparação com as 225.474 vendidas (11,52% do total). No dia 18 de novembro as posições compradas passaram para 529.685 (22,17% do total), um aumento de 53%. No mesmo dia 18 último, as posições vendidas em DI do estrangeiro eram de 105.853 contratos (4,43% do total), uma queda de 53%. No mercado de dólar futuro, o investidor externo estava com 42.548 contratos de venda em aberto no dia 18 (20,94% do total), alta de 112,17% no período. Segundo Gaidys, responsável pela Boston DTVM, a primeira corretora a obter autorização das autoridades americanas para atuar com investidores estrangeiros institucionais americanos na BM&F, apenas alguns fundos de "hedge" maiores operam diretamente com juros na BM&F. "Não é esse o padrão deles", definiu o especialista. Alguns preferem os contratos de câmbio. Mas, segundo Gaidys, por razões operacionais, grande parte dos fundos prefere ficar vendidos em dólar contra o real nos contratos futuros no exterior chamados de "NDFs", do inglês "non-deliverable forward". Ao vender o dólar, o investidor fica automaticamente aplicado em juros em reais prefixados e vendido em juros em dólar no mercado interno brasileiro, o cupom cambial. A diferença gigante dessas taxas em um mundo com juros em níveis recordes de baixa é de estimular qualquer investidor internacional. Para se ter uma idéia, na quinta-feira os juros futuros em reais projetados para abril, os mais negociados, estavam a 17,63% ao ano. O cupom cambial medido pelo fra era de 1,83% ao ano. A diferença é de nada menos que 16 pontos percentuais. A demanda por "NDF"s em reais cresceu também por causa do reduzido prêmio de risco de conversibilidade -a diferença entre as operações com dólar futuro no exterior e no mercado interno- para baixo de 0,5% ao ano para prazos de um ano. Essa diferença, em momentos de crise de credibilidade, chegou a 15%. Como o mercado de "NDF"s é pouco líquido, entre duas partes, e neste momento quase todos os fundos estão em uma ponta só, vendidos em dólar contra o real, os bancos estrangeiros que fazem a ponta contrária é que vêm aqui na BM&F zerar suas posições. Outras matrizes de bancos internacionais vêm à BM&F tomar risco ou zerar suas posições em títulos em reais emitidos no exterior, outro instrumento de interesse crescente do investidor externo e também oferecido por bancos nacionais. O Banco Votorantim fecha hoje a primeira emissão pública de eurobônus em reais com demanda que passou os US$ 50 milhões emitidos. O governo federal deve lançar bônus em reais nesta semana.