Título: Empresas vão à Justiça para evitar cobrança
Autor: Josette Goulart, Marli Olmos, Raquel Landim e Mart
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2006, Brasil, p. A3
Comércio exterior Liminares protegem autopeças de autuação da Receita em disputa que envolve R$ 9 bilhões
Os fabricantes de autopeças estão indo à Justiça para evitar autuações da Receita Federal cobrando o imposto de importação que deixou de ser pago desde maio de 2001. O Fisco alega que, desde então, o segmento se beneficiou indevidamente de um redutor de 40% no imposto. A discussão, que envolve também as montadoras, vale R$ 9 bilhões que deixaram de entrar nos cofres da União entre maio de 2001 e outubro de 2005. Uma da primeiras liminares foi concedida para a Trico Latinoamericana, grupo americano que produz mecanismos do limpador de pára-brisas em Jacareí, interior paulista. A decisão do juiz Gilberto Rodrigues Jordan, da 1ª Vara da Justiça Federal em São José dos Campos, impede a Receita de cobrar o diferencial do imposto anterior a outubro de 2005. Ele entendeu que o benefício não poderia ser revogado por decreto. Também foram à Justiça a italiana Sogefi Filtration do Brasil Ltda, líder do mercado de filtros e fabricante de buzinas para veículos, e outra empresa de seu grupo, a Fiamm Latin America Componentes Automobilísticos Ltda. As duas também pedem liminares que as livrem da cobrança retroativa do redutor do imposto. A Fiamm, porém, já teve seu pedido negado em primeira instância. Segundo o presidente do Sindicato da Indústria de Componentes Automotivos (Sindipeças), Paulo Butori, diversas empresas estão recorrendo às liminares. Mas a entidade não tem um balanço a respeito. O advogado da Trico Latinoamericana e das empresas do grupo Sogefi, Alexandre Lira de Oliveira, do escritório especializado no setor automotivo D'Angelo e Lira de Oliveira Advogados, diz que a ida à Justiça procura evitar que as empresas precisem provisionar recursos em função de uma possível cobrança fiscal que poderá afetar o resultado das matrizes. Segundo o diretor Elias Mufarej, da Sogefi, a ida aos tribunais é "uma ação preventiva". "Para efeito de balanço, entre outras coisas, como emissões de certidões negativas, é importante mostrar que tomamos uma providência", diz. As ações promovidas tanto pela Trico quanto pelo grupo Sogefi pedem ainda que no futuro, quando os processos judiciais chegarem ao fim, a empresa possa compensar os valores pagos sem o redutor desde 18 de outubro de 2005. Nessa data, o segmento automotivo passou a pagar a alíquota integral do imposto de importação, sem o redutor de 40%. O problema é que a Receita defende que as diferenças entre a alíquota integral e a incentiva devem ser pagas desde maio de 2001. Foi exatamente essa interpretação que deflagrou a discussão entre empresas e Fisco. Todo o segmento automotivo usufruiu do redutor de 40% no imposto com base na Lei nº 10.182, de 2001. A redução tributária acontecia automaticamente, com a cobrança de tributos lançada nas importações. A Receita alega porém, que a partir de 16 de maio de 2001 o benefício caiu em função de um tratado internacional assinado entre Brasil e Argentina. O acordo previa eliminação paulatina do benefício a partir de 2001, de forma que o setor passasse a pagar o imposto integral em 2006. A Receita alega que o tratado foi incorporado à legislação brasileira pelo Decreto nº 3.861, de 16 de maio de 2001. Como os tratados internacionais prevalecem sobre a legislação interna do país - com exceção da Constituição Federal -, as empresas deveriam ter reduzido o benefício fiscal a partir de maio de 2001. Os tributaristas dizem que os tratados internacionais só prevalecem sobre as leis internas quando o decreto que as incorpora é aprovado pelo Congresso Nacional, o que não foi o caso. O decreto que validou o acordo foi assinado pelo presidente da República e não passou pelo Legislativo. A preocupação maior das empresas, diz o tributarista Oseás Aguiar, não é perder a redução do imposto para as importações a partir de agora, mas sim precisar pagar o benefício aproveitado durante praticamente cinco anos. O receio de que a Receita Federal inicie as autuações também é grande porque o Fisco tem cinco anos para cobrar os tributos. Isso significa que a partir de maio de 2006 começa a vencer o prazo para que a Receita lance as primeiras autuações. Os especialistas lembram que a Receita chegou a ser questionada pelo Tribunal de Contas da União sobre a suposta renúncia fiscal que teria concedido ao deixar de exigir que o setor passasse a pagar o imposto integralmente desde 2001. Diferente das fabricantes de autopeças, as montadoras ainda têm esperanças de uma solução política para o impasse, que evite a necessidade de ação judicial. Caso não seja possível um acordo com o governo, as empresas também teriam a opção de abrir um processo administrativo, antes do processo judicial. O advogado Mario Luiz Oliveira da Costa, do escritório Dias de Souza Advogados Associados, acredita que há grandes chances de sucesso em um processo administrativo, apresentando recurso para o Conselho de Contribuintes.