Título: Indústria do Brasil contrata produção na China
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2006, Brasil, p. A6

Comércio exterior Para driblar o câmbio, calçadistas e têxteis licenciam produtos e exportam de outros países

Ao entrar em uma loja nos Estados Unidos para comprar uma sandália da marca Azaléia, a consumidora americana que está acostumada com o produto pode estranhar. Ao invés do tradicional "made in Brazil", há o risco de a sandália ter sido fabricada na China. Para driblar a valorização do real, as empresas brasileiras de calçados e confecções começam a contratar empresas na China ou até na Argentina para fabricar seus produtos.

Sapatos e roupas saem das fábricas no exterior com as etiquetas das marcas brasileiras direto para terceiros mercados. Muitas vezes, esses produtos atendem também o mercado interno brasileiro. É a maneira que as empresas encontram para continuar competitivas e manter seus clientes no exterior e no país.

A fabricante de calçados femininos Azaléia iniciou sua experiência na China em dezembro. Uma empresa chinesa fabricou 60 mil pares de sandálias com o design e "know-how" da companhia. O lote foi direto para os EUA. "Fomos obrigados a importar produtos da China e exportar para os EUA. Era a única maneira de manter esse mercado, que investimos milhões para conquistar", diz Paulo Santana, gerente de marketing da Azaléia. "Esses sapatos deveriam ser feitos no Brasil. Ampliar os negócios no exterior é maravilhoso. O problema é transferir produção, por incapacidade de fabricar no país.". A Azaléia viu as exportações, em volume, caírem 26% em 2005, depois de embarcar o recorde de 9 milhões de pares em 2004. "A marca Azaléia representa um sapato de preço médio no exterior. Com a valorização do real, nosso sapato subiu tanto, que começou a sair de sua faixa de preço", diz Santana. A Azaléia está no mercado exterior há 12 anos e vende para 70 países. O executivo explica que ainda não reduziu a produção de sapatos femininos nas fábricas brasileiras, porque está direcionando a produção para o mercado interno. Recentemente, a Azaléia fechou uma fábrica no Rio Grande do Sul, que produzia 10 mil pares de tênis por dia. A Pampili, uma das maiores fabricantes de calçados femininos infantis, estuda uma proposta para permitir que seus produtos sejam fabricados na Argentina. Segundo José Roberto Colli, presidente da empresa, um cliente pediu para produzir calçados com a marca Pampili na Argentina e propôs pagamento de royalties. "Estamos estudando. O dólar na Argentina vale 3 pesos". O executivo explica que o dólar valorizado encarece o produto, porque a maioria dos custos são em reais. Matéria-prima e mão-de-obra respondem por mais de metade dos gastos. Ele diz que importa apenas as solas dos sapatos, portanto, os impactos positivos de um dólar barato são muito pequenos. A Hering, tradicional fabricante de roupas, está importando jaquetas e bermudas sintéticas da China para abastecer o mercado interno. O percentual ainda é pequeno, representando apenas 4% da produção, mas a tendência é aumentar, admite Ulrich Kuhn, diretor-superintendente. "Independente do câmbio, a Ásia é mais vantajosa em produtos sintéticos. O dólar barato acelera o processo. Lamentavelmente não tem solução mágica", diz Kuhn. Ele afirma que o Brasil "está desmontando setores que são grande empregadores de mão-de-obra". A Hering exporta 20% a 25% da produção, mas Kuhn diz que será difícil manter o patamar em 2006. Heitor Klein, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), explica que as indústrias intensivas em mão-de-obra são tradicionalmente migratórias. Primeiro, foram do Sul para o Nordeste do país. As empresas começaram agora a importar para manter sua participação no mercado interno e para atender terceiros países. Algumas companhias também estudam abrir fábricas no exterior. Segundo Klein, as companhias avaliam países como China, Colômbia, Índia e até a Namíbia, na África. De acordo com Élcio Jacometti, presidente da Abicalçados, a receita obtida com a exportação de calçados caiu 7% em janeiro deste ano ante igual período em 2005. Ele explica que os importadores não estão aceitando novos reajustes de preços. As exportações de calçados caíram de 212 milhões de pares em 2005 para 189 milhões em 2004, mas a receita subiu de US$ 1,809 bilhão para US$ 1,888 bilhão no período, porque as empresas reajustaram os preços em 17%.