Título: Brasil muda de tom e pressiona EUA na OMC
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2006, Brasil, p. A6

Relações Externas País pede corte adicional de subsídios agrícolas e nações ricas cobram abertura na área industrial

O Brasil passou a cobrar mais agressivamente um corte adicional de bilhões de dólares nos subsídios agrícolas dos Estados Unidos. Já os americanos e a União Européia (UE) exigiram do Brasil uma redução média de 65% nas tarifas que o país impõe à importação de produtos industriais. Após um dia e meio de reuniões em Londres, ministros do Brasil, Estados Unidos, União Européia, Índia, Austrália e Japão insistiram em pressões recíprocas com base nas demandas mais exigentes, e não superaram o impasse que trava as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, admitiu ser mínima a possibilidade de um acordo sobre fórmulas e porcentuais de cortes de subsídios e tarifas agrícolas e industriais até abril, prazo fixado em dezembro que permitiria a conclusão das negociações até o fim deste ano. Para Amorim, "falta a compreensão" de que, sem um resultado ambicioso de liberalização, não haverá acordo. Para ele, as propostas apresentadas até agora não trazem resultados que interessem ao Brasil. Daí a insistência num encontro de cúpula de presidentes, para definir politicamente concessões ambiciosas e salvar as negociações. Em Londres, ficou clara a mudança da posição negociadora do Brasil na área agrícola. O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, participou da reunião ao lado de Amorim. Antes, brasileiros e americanos estavam juntos no ataque contra a UE para forçá-la a reduzir o número de produtos agrícolas classificados como sensíveis, que terão corte tarifário menor. Agora, o Brasil ampliou a pressão sobre os EUA para que aceite limites para os gastos da futura "caixa azul", categoria de subsídios domésticos em que os americanos querem usar cerca de US$ 10 bilhões de pagamentos anti-cíclicos, que compensam produtores de soja, algodão e outras mercadorias quando os preços dos produtos caem no mercado internacional. Para o Brasil, Washington deve limitar o alcance desses subsídios a 1,8% do valor da produção agrícola americana, ou aceitar disciplinas nas regras da OMC para submeter esses gastos a controles mais rigorosos. Esse limite equivale à média dos pagamentos contra-cíclicos desembolsados pelos EUA nos últimos anos e representaria US$ 3,6 bilhões por ano. "Esqueçam isso", reagiu um negociador americano. Ele insistiu que mesmo um limite de 2,5% do valor da produção, que Washington já aceitou, foi mal recebido por agricultores americanos. O presidente da Associação dos Exportadores de Suínos, Pedro Camargo Neto, concordou com a mudança de enfoque brasileiro, visando menos tarifas e atacando mais subsídios domésticos. Mas lamentou que "isso venha com atraso, porque o Brasil desperdiçou tempo, já deveria ter pressionado mais os americanos na reunião de Hong Kong [em dezembro]". Para Camargo, "o Brasil não pode ceder, tem que exigir limite de subsídios por produto". Ele teme que, "no final, EUA e UE façam um acordo e o Brasil pague a conta". Também a União Européia pressionou os americanos na agricultura, quando até agora estava na defensiva. Bruxelas aceita cortar 10% a mais que os americanos nas subvencões domésticas (75% para os europeus, 65% para os americanos). Mas os EUA retrucam que a UE deveria cortar bem mais, porque gasta US$ 80 bilhões por ano com subsídios agrícolas distorcivos, quatro vezes mais que os US$ 19 bilhões dos americanos. Ao invés de concessões, o representante comercial dos EUA, Robert Portman, ameaçou retirar a oferta de um corte de 60% nos subsídios domésticos se a UE não reduzir substancialmente as tarifas de importação de produtos agrícolas. Outra briga com os EUA é sobre o período-base para calcular o corte nos subsídios agrícolas. O Brasil, a União Européia e os outros participantes da negociação defendem o período de 1995 a 2000, quando os EUA gastaram US$ 10 bilhões por ano com subsídios das caixas amarela e azul. No entanto, Washington quer usar como base de cálculo o período de 1999 a 2001, quando suas despesas foram de US$ 16 bilhões por ano. Essa opção daria aos Estados Unidos uma boa margem para continuar subvencionando seus agricultores mesmo após os cortes definidos pelas negociações. Um dos "grandes pontos de interrogação" em Londres continuou sendo a questão dos produtos agrícolas classificados como "sensíveis", que continuarão protegidos contra a concorrência externa. A UE acena com compensações por meio de cotas, abrindo seu mercado para quantidades limitadas desses produtos, mas não aceita fixar as cotas de forma proporcional ao consumo doméstico europeu.