Título: Dirceu aproveita momento político favorável para tentar reaver mandato
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2006, Política, p. A8

O ex-ministro José Dirceu entrará com recurso junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), nos próximos dias, para tentar reaver o mandato de deputado federal, cassado em novembro. Dirceu quer se aproveitar da melhora do ambiente político, caracterizada pela recuperação da popularidade do presidente Lula, pela não-cassação de deputados acusados de participar do mensalão e pela perda de fôlego das CPIs que investigam o governo, para tentar recuperar seus direitos políticos, suspensos por oito anos. Há uma outra razão para o recurso neste momento: pela legislação vigente, Dirceu tem 120 dias, contados a partir da data da cassação (30 de novembro), para acionar a Justiça. Esse prazo vence na segunda quinzena de março. O advogado do ex-ministro, José Luís Mendes de Oliveira Lima, pretende usar novos elementos na defesa do ex-ministro. "Eu não tive acesso anteriormente ao voto do relator Júlio Delgado (PSB-MG) no Conselho de Ética da Câmara", disse ao Valor o advogado, que está preparando um mandado de segurança. Ele se recusou a dar detalhes do mandado. "Não é uma peça tão simples assim. É complexa." Uma das estratégias de Dirceu e seu advogado será mostrar que o relator lançou mão, no pedido de cassação do mandato, de informações que depois se comprovaram inverídicas. Uma delas diz respeito ao suposto pagamento de R$ 50 mil, por uma das empresas do empresário Marcos Valério de Souza, a Roberto Marques, amigo e assessor informal de Dirceu. O pagamento teria ocorrido numa agência do Banco Rural em São Paulo. O advogado de Dirceu alega agora que o Roberto Marques que aparece no mensalão é outro e não o amigo do ex-ministro. Na semana passada, o "Correio Braziliense" informou que o motorista Roberto Jefferson Marques, um homônimo do assessor de Dirceu e ex-funcionário do gabinete do senador Romero Jucá (PMDB-RR), teria confessado, numa fita gravada, ter feito um saque de R$ 50 mil na conta de Marcos Valério na agência do Banco Rural em Brasília. "Essa questão do Roberto Marques tem que ser apurada com rigor. Isso foi usado no processo contra o Zé Dirceu", observou o advogado do ex-ministro. O motorista procurou a Polícia Federal, em Boa Vista, para informar que teria sido "orientado" por alguém a declarar o que está gravado na fita em poder dos policiais. Marques negou também ter feito saques no Rural para o senador Romero Jucá. Oliveira Lima informou que, no mandado de segurança, não usará o caso Roberto Marques como argumento, mas o citará no "histórico" de fatos que apresentará ao Supremo. "Questão de mérito não cabe ao Supremo se manifestar. É óbvio que vou fazer um histórico do que aconteceu do dia 30 de novembro até hoje. Trata-se mais de uma questão de reflexão do que jurídica", explicou. Júlio Delgado repele, com indignação, os argumentos de Dirceu e seu advogado. Segundo ele, Oliveira Lima teve acesso à integralidade de seu voto pela cassação do ex-deputado. Delgado conta que, mediante recursos ao Supremo, o advogado conseguiu obrigá-lo a retirar do processo informações referentes ao sigilo bancário e telefônico do ex-ministro. Depois, o relator teve que subtrair o depoimento da presidente do Banco Rural, Kátia Rabelo, porque Oliveira Lima o acusou de inverter os depoimentos das testemunhas para prejudicar Dirceu. Na opinião do advogado, o Conselho de Ética deveria ter ouvido primeiro o depoimento de Kátia e, depois, os da testemunha de defesa do ex-ministro. Delgado argumenta que Kátia falou sobre o "presente" de Dirceu, enquanto as testemunhas de defesa - o escritor Fernando Morais e os deputados Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e Eduardo Campos (PSB-PE) - falaram do passado e confessaram que, por não serem do PT, nada sabiam da relação do ex-ministro com Marcos Valério. "Retirei os dados sigilosos que eram provas, o depoimento da Kátia, e o advogado fala que o relatório lido no plenário ele não conhecia?", indaga Júlio Delgado. O deputado defende que, uma vez que Dirceu foi cassado de forma "soberana" pelo plenário, a Câmara reaja a uma possível decisão do STF favorável ao ex-deputado. "O relatório do Zé Dirceu e a prova da perda do mandato dele não competem mais só a mim, que fui o relator. Agora, competem à Câmara, que aprovou por 293 votos (contra 192) o relatório", disse Delgado. No governo, o recurso de Dirceu ao STF não é visto com bons olhos. Na avaliação de assessores do presidente Lula, isso pode reacender a crise política num momento em que sua popularidade está em alta e país está às vésperas da eleição. Procurados pelo Valor, José Dirceu e o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, não retornaram as ligações. O líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ), diz que é legítima a ação do ex-ministro, mas tem dúvida sobre seu sucesso. "Não acredito que o Supremo vá interferir em uma questão interna do Congresso, já que o Conselho de Ética fez um bom trabalho e corrigiu todos os problemas apontados pelo próprio STF durante o processo", disse Maia. (Colaborou Thiago Vitale Jayme)