Título: A lógica do conservadorismo da política monetária do BC
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2006, Opinião, p. A12

Tem tido pouca serventia a indignação de empresários e políticos com o ritmo que o Banco Central vem imprimindo à redução da taxa básica de juros, a Selic. São desprezíveis, também, os resultados de eventuais pressões políticas do Palácio do Planalto para que o Comitê de Política Monetária (Copom) seja mais ousado. De setembro do ano passado para cá, os cortes nos juros básicos assumiram uma trilha cautelosa, perfazendo, até agora, uma queda de 3,25 pontos percentuais. A taxa Selic é, hoje, de 16,5% ao ano, e a meta para a inflação, de 4,5% , em comparação com a realizada em 2005, de 5,7%. Note-se que se trata ainda de uma inflação maior que a média dos países emergentes. A posição hegemônica no Copom tem sido pelo gradualismo na condução da política monetária, como forma de promover uma lenta, mas consistente, redução dos juros, que leve o país a uma taxa mais compatível com os padrões internacionais tanto de juros quanto de inflação. A lógica que fundamenta o gradualismo é a de que o Brasil ainda vive sob grande risco inflacionário, o que eleva a taxa de juros de equilíbrio. Sobre esse aspecto, é ilustrativo o trabalho elaborado por dois economistas do Banco Central, Marcelo Kfoury Muinhos (que acabou de licenciar-se para ocupar o cargo de economista-chefe do Citibank) e Mário Nakane. Um documento que pode não expressar exatamente a opinião da diretoria do BC, mas que, de qualquer forma, recebeu comentários e sugestões do diretor de política econômica do BC, Afonso Bevilaqua. Os autores pesquisaram um universo de 33 países, desenvolvidos e emergentes, e aplicaram diferentes metodologias de medição de taxa de juros de equilíbrio. A pesquisa constata que o Brasil precisa de juros mais altos que os demais países para controlar a inflação. Isso não se explica, necessariamente, apenas por argumentos já apresentados em documentos acadêmicos mais recentes, como o risco jurisdicional ou a elevada relação dívida pública-Produto Interno Bruto (PIB). Surpreendentemente, Kfoury e Nakane encontram explicações mais comezinhas: o juro é elevado porque nele está embutido também um risco inflacionário ainda muito alto. Os dados coletados mostram que o mercado tem se defrontado com inflações mais elevadas do que as esperadas no momento em que foram tomadas decisões de investimentos. Tecnicamente, o juro 'ex-ante' supera a taxa efetivamente recebida 'ex-post'. Exemplo: em 2002 a taxa média real de juros esperada era de 16,2%. A efetivamente ocorrida foi menor do que a metade desta, 7,8%. Ou seja, a inflação ficou superior ao que era esperado quando da decisão do investimento, levando o mercado a exigir, em seguida, prêmios maiores para cobrir o risco inflacionário. Os economistas chegam a conclusão semelhante a partir, também, da avaliação da diferença entre os papéis pré-fixados e os indexados a índice de preços. Se essa é uma tese correta, ela explicaria a obsessão do Copom em promover cortes homeopáticos na taxa de juros básicos para mitigar o risco inflacionário. A recompensa pelo sofrido gradualismo seria uma taxa de juros de equilíbrio mais baixa no futuro. A título de comparação, entre 2000 e 2004, enquanto a taxa de juros média real de equilíbrio no Brasil foi de 10% (e de 15,2% entre 1995-1999); no México ela foi de 4,15%; no Chile, 2,7%; na Coréia, de 1,6% e na Turquia, de 6,3%. Não se pode desconsiderar, contudo, que uma política monetária ótima deve buscar o equilíbrio entre o controle da inflação e o crescimento econômico. Uma ação implacável sobre a inflação, ao preço de um frustrante desempenho da atividade econômica, mina o apoio político à ação do Banco Central e reabre a discussão sobre temas que já deveriam estar superados, como, por exemplo, a necessária autonomia do Banco Central para manter o valor da moeda. O excesso de conservadorismo gera reações radicais. Em dois documentos recentes, de subsídio a um programa econômico de um eventual segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Partido dos Trabalhadores aponta o BC como o algoz da sociedade brasileira e sugere a intervenção do Palácio do Planalto nas funções da autoridade monetária a partir de 2007.