Título: Novo Legislativo, velhos políticos
Autor: Maakaroun, Bertha
Fonte: Correio Braziliense, 24/05/2010, Política, p. 4

Apesar de escândalos, previsão de especialistas é de que a maioria dos parlamentares vai se reeleger para o Congresso e as assembleias

Quem apostar que os escândalos, responsáveis por crises profundas e turbulências na rotina da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, promoverão em outubro uma taxa de renovação inédita nas duas Casas, perderá. A opinião é de cientistas políticos e de especialistas, que apontam como um dos fatores que tendem a levar o parlamentar ao sucesso da reeleição a estrutura disponível ao cargo, o que lhe permite ganhar visibilidade e manter a conexão com as suas bases eleitorais.

Não que os eleitores estejam alheios ao noticiário negativo. Mas o impacto dos escândalos tenderá a ser pontual, para aqueles parlamentares que estiveram mais expostos ao bombardeio, sem, contudo, afetar substancialmente os índices gerais médios de reeleição verificados nas duas últimas décadas. Na Câmara dos Deputados, a renovação média verificada na eleição de 2006 foi de 47%. Nas assembleias, de 44%. No Senado, em 2002, chegou a 74% das 54 cadeiras em disputa.

Dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) indicam que de 1990 para cá os índices gerais de renovação da Câmara dos Deputados caíram de 62% para 54%, em 1994; para 43%, 46% e 47%, respectivamente, nas eleições de 1998, 2002 e 2006. O mesmo ocorre nas assembleias legislativas de todo o país, segundo informações fornecidas pela União Nacional dos Legislativos (Unale).

Escândalos não faltaram nesta legislatura. Foram mais de 100. Entre os de maior destaque estão o de verbas indenizatórias secretas na Câmara e no Senado; o caso do deputado federal Edmar Moreira (PR-MG), dono de um castelo; a farra aérea com as cotas de passagens destinadas aos parlamentares, etc. Em 2006, muito se debateu essa questão, em decorrência do escândalo do mensalão. Apesar dele, a taxa de renovação na Câmara dos Deputados apresentou pequena oscilação em relação a 2002, afirma a cientista política e professora de Ciência Política e Estado Moderno do curso de Direito da Faculdade Ibmec/RJ, Simone Cuber Araujo Pinto. O escândalo não impactou a média da Casa, mas se observarmos o desempenho individual, vários dos envolvidos foram punidos nas urnas.

Estrutura Para o diretor do Diap, Antônio Augusto de Queiroz, os deputados que concorrem à reeleição têm muitas vantagens em relação aos candidatos que não estão no exercício do cargo. Além do nome e número já conhecidos e de uma relação de serviços prestados a uma base eleitoral em geral geograficamente limitada, eles têm a seu favor cabos eleitorais fidelizados muitos dos quais contratados nos gabinetes , e a estrutura fornecida pelos legislativos para o exercício do mandato.

Queiroz ainda chama atenção para o fato de que as taxas de renovação média seriam mais baixas caso não fossem considerados os parlamentares que retornaram ao cargo, depois de uma pausa para exercerem mandatos executivos. Segundo o diretor do Diap, as vagas não preenchidas por reeleitos são, em sua maioria, ocupadas por ex-parlamentares que voltam, como ex-prefeitos, ex-governadores, ex-ministros, ex-deputados estaduais e ex-vereadores. A renovação real é, portanto, mais baixa do que indicam as médias de novos parlamentares que ingressam nas casas legislativas do país.

Vantagens

O que pode ajudar um deputado federal e um senador a se reeleger

1) Emendas individuais Cada deputado federal e senador tem direito a apresentar ao Orçamento da União R$ 12 milhões em emendas autorizativas. Em geral são destinadas às cidades, entidades ou organizações que integram a base eleitoral do parlamentar.

2) Emendas de bancadas Cada bancada estadual deputados e senadores das unidades federativas pode indicar 20 emendas, no valor médio de R$ 25 milhões cada.

3) Cotão Cada parlamentar tem direito a R$ 27.049, por mês, para despesas diversas com o mandato, como passagens aéreas, consultorias, alimentação, hospedagem em viagens às bases, locação de veículos, embarcações, fretamento de aeronaves.

4) Gabinetes Eles têm R$ 60 mil disponíveis para livre contratação de pessoal em gabinetes, que operam em conexão permanente com as bases eleitorais.

Poder sem prestígio

Se comparadas às taxas de renovação nos parlamentos de países de democracia estável, os índices de eleição de novos deputados podem ser considerados altos no Brasil. Para a cientista política especialista no tema, Simone Cuber Araujo Pinto, que também é doutoranda no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), não existe um consenso em torno do que seja um patamar ideal de renovação de um legislativo. O que se persegue é o estabelecimento de um equilíbrio ótimo entre a circulação das elites políticas, a manutenção de quadros experientes e a necessidade de caras novas, afirma Simone.

Com o sistema eleitoral distrital, portanto diferente do modelo proporcional brasileiro, os Estados Unidos apresentam uma taxa de renovação entre 5% e 10%, constituindo-se historicamente o parlamento com as maiores taxas de reeleição, aponta a cientista política. Nos países europeus, após a Segunda Guerra Mundial, a taxa média de renovação nos parlamentos da Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Noruega e Finlândia variou entre 20% a 30%, continua ela.

Segundo a pesquisadora, os deputados federais constroem dois modelos principais de carreiras voltados para a reeleição. O primeiro se refere a um padrão de longas carreiras legislativas no âmbito federal, diz. Há um segundo modelo de carreira que altera disputas por cargos no legislativo federal e no executivo estadual ou municipal, considera.

Diferentemente do que se verificou no período democrático de 1946 a 1964, neste atual período pós-regime autoritário-militar há maior registro de deputados federais que trocam a carreira legislativa para assumir posições em cargos executivos. Os legislativos se tornam um ponto de passagem ou apoio para postos mais atrativos, como os do Poder Executivo, acrescenta ela.

A pesquisadora levanta a hipótese de que houve uma redução dos poderes de proposição e de decisão dos deputados federais, com o aumento das prerrogativas do Executivo, o que afetou o padrão de recrutamento dos parlamentares e de construção de suas carreiras políticas.

As carreiras legislativas são descontínuas e o parlamento tem dificuldades em manter em seus quadros os políticos mais experientes, analisa. Os que permanecem são aqueles cujos cálculos de decisão apontam para a impossibilidade de encarar disputas mais acirradas, como as eleições para cargos executivos na esfera federal e estadual. (BM)