Título: Demanda interna puxa recuperação
Autor: Chico Santos e Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 24/02/2006, Brasil, p. A6

O ano começou com cenários antagônicos para as indústrias que atendem com mais força o mercado interno e aquelas cuja demanda mais expressiva é a externa. Inflação controlada, recuperação da renda, criação de novos empregos e perspectiva de queda dos juros internos criaram um ambiente favorável ao consumo doméstico. Já o câmbio afetou a rentabilidade das exportações, e a tendência é de queda ou de crescimento muito modesto nas vendas externas. No mercado interno, as vendas de janeiro e fevereiro do setor moveleiro chegam a registrar altas de 15% na comparação com o primeiro bimestre de 2005, como no caso da SCA, de Bento Gonçalves (RS). Ao mesmo tempo, as exportações caíram até 50% no mesmo período, porque empresas como a Móveis Carraro, da mesma cidade, tiveram que reajustar preços em dólar para compensar os efeitos do câmbio. Segundo o diretor-presidente da SCA, Sérgio Manfrói, o crescimento das vendas domésticas nos dois primeiros meses é significativo. O desempenho sinaliza expansão de pelo menos 35% no faturamento de 2006 sobre os R$ 75 milhões apurados em 2005. Ele atribui o ritmo favorável dos negócios à diversificação dos clientes - mercado residencial, hotéis, hospitais, universidades e lojas de conveniência. Apenas 5% da receita da SCA vem das exportações. Na Carraro, as projeções são mais modestas, devido ao alto peso das exportações, que caíram cerca de 5% no ano passado e responderam por 30% do faturamento, que foi de R$ 171 milhões no período. "Rezamos para empatar em 2006", diz o diretor-presidente Ademar de Gasperi. Segundo ele, enquanto as vendas internas no primeiro bimestre mantiveram-se nos mesmos níveis do início de 2005, as exportações caíram 50%. Para o vice-presidente da Associação das Indústrias de Móveis do Rio Grande do Sul (Movergs), Jorge Mattielo, o mercado interno está se beneficiando da reposição dos estoques no varejo neste início de ano, mas mesmo assim ele não espera um 2006 "fabuloso". Mattielo acredita em queda geral de até 10% no acumulado do ano, mas admite uma melhoria do quadro depois de março, quando as vendas normalmente se aquecem. No mercado externo, porém, o cenário é "terrível", afirma. No Paraná, a direção da Positivo Informática, braço de tecnologia do grupo paranaense Positivo, não tem o que reclamar de 2006. "O ano começou inesperadamente bem", afirmou o diretor Hélio Rotenberg. De acordo com ele, em comparação com janeiro de 2005, as vendas foram 199% maiores no mês passado. Para fevereiro, é esperado crescimento de 200%. Como resultado disso, há duas semanas a empresa revisou as metas para o ano. Em vez de 400 mil micros, como havia sido previsto, agora são esperadas vendas de 500 mil. Uma das razões do crescimento é o programa "PC para Todos", do governo federal, que facilitou a compra de computadores de até R$ 1,4 mil. "A explosão se deu nesse modelo, que representa 25% das vendas", disse Rotenberg. O movimento do início do ano também foi considerado surpreendente por Ingo Doubrawa, presidente da Docol, fabricante de metais sanitários com sede em Joinville (SC). A empresa esperava aumento de 10% nas encomendas, mas elas subiram 34% em janeiro, e devem apresentar mesmo patamar de incremento no mês de fevereiro. Para o executivo, a melhora no volume de pedidos está muito relacionada ao mercado interno. O brasileiro estaria mais seguro para investir na construção com a perspectiva de queda de juros, as construtoras colocaram em andamento projetos que estavam engavetados, e já há algum reflexo das medidas do governo federal para o setor, como a redução do IPI. A Marisol, indústria têxtil com sede em Jaraguá do Sul (SC), teve 13% mais pedidos em janeiro deste ano do que em janeiro de 2005. "A largada do ano foi muito boa", destaca Giuliano Donini, diretor de marketing da empresa. Já para a Buettner, indústria de cama, mesa e banho, não há motivos para comemoração. As encomendas foram cerca de 40% menores no primeiro bimestre do que no mesmo período do ano passado. Os estoques estão cerca de 30% mais altos no mesmo comparativo. João Henrique Marchewsky, presidente da empresa, diz que a Buettner sofre principalmente com o câmbio, já que exporta metade da produção e está perdendo competitividade com o real valorizado. Na a indústria automobilística o ano começou com grande recuperação de mercado. A estimativa é que as vendas internas fiquem em torno de 243 mil unidades no primeiro bimestre. Mesmo com dólar em baixa, as exportações em janeiro foram superiores ao resultado do mesmo mês do ano passado. Na Fiat, o clima é de otimismo. Os indicadores são de que a recuperação do mercado automotivo continua forte, embalada pelo clima positivo que cerca a economia brasileira", disse o presidente da montadora, Cledorvino Belini. A pernambucana Baterias Moura, líder no segmento, avalia que o crescimento no ano deverá ficar entre 4% e 5%, mesmo percentual registrado no primeiro bimestre em relação a igual período de 2005. De acordo com o vice-presidente financeiro, Paulo Sales, o crescimento só não será maior em função do câmbio. "Tínhamos mercado internacional para 600 mil unidades de baterias em 2006. Em função do câmbio estamos reduzindo a estrutura de vendas para 500 mil unidades e podemos até mesmo baixar para 400 mil." No Bosch, as vendas no segmento de veículos avançaram 25% em janeiro sobre igual mês de 2005. "Começamos num ritmo muito satisfatório, mantendo o mesmo patamar de produção do fim do ano passado", afirma José Mauro Pelosi, vice-presidente da divisão de sistema diesel. Contudo, as exportações não subiram. "Temos perdido rentabilidade, mas pelo menos estamos mantendo-as em patamar ainda elevado", diz ele. As vendas para o mercado doméstico da Arno aumentaram 10% no primeiro bimestre. "O calor ajudou a vender mais ventiladores, mas os outros eletrodomésticos também têm mostrado bons desempenhos", conta Márcio Cunha, presidente da empresa. As exportações para América do Sul e Europa, por outro lado, cederam 15% em volume. O presidente acredita que 2006 será um bom ano para o mercado interno. "Salários em alta e crédito ainda em expansão devem sustentar o consumo", diz Cunha. De olho na demanda interna, a Arno já planeja o lançamento de uma série de novos produtos para o Dia das Mães, em maio.