Título: PSDB resiste a disputar na Turquia
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 24/02/2006, Política, p. A8

O presidente do PSDB, Tasso Jereissati, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso estavam plenamente investidos de suas faculdades até horas antes daquele jantar no Massimo. Prova disso foi a intervenção de um e outro no seminário promovido pelo partido com economistas e empresários naquela tarde em hotel da vizinhança. Mostraram que até o PSDB, depois de oito anos no poder, também acumulou cicatrizes. Provocado pelas queixas do presidente do grupo Ultra, Paulo Cunha, Fernando Henrique tomou as dores do tucanato e citou quatro vezes o BNDES para se defender. Deixou a entender que se sente vítima de ingratidão: "O BNDES é um instrumento poderoso e foi usado extensamente. Houve uma mudança da base produtiva do Brasil na década de 90, gente. Ou não houve? A siderurgia não mudou de cabo a rabo, a indústria automobilística não mudou toda, os têxteis não mudaram, as de móveis não mudaram, e calçado não mudou, e a petroquímica? Essa menos. E quem fez isso? Foi sozinho ou o dinheirinho veio do BNDES?", desabafou. FHC também disse ter optado por não propagandear seus esforços para evitar que as multinacionais se assenhorassem de setores estratégicos da economia: "Pode não falar, talvez, até porque é tático não falar, mas tem que fazer, tem que olhar com atenção. E isso tem os instrumentos para fazer. O BNDES é um instrumento poderoso (....) Hoje a base produtiva agrícola, o agribusiness do Brasil é enorme. Quem pagou? O BNDES". O seminário havia sido convocado para discutir taxa de juros com o patrocínio do Iedi, entidade empresarial que congrega 45 grandes empresários do país, clientes preferenciais dos juros subsidiados do BNDES. Tasso tomou a palavra em seguida e prosseguiu na crítica fernandista à falta de apoio empresarial na reforma da Previdência. apontada por todos ali como a bóia de salvação para a contenção dos gastos públicos. O desabafo de Tasso: "Todos falam em reforma da Previdência. Vai fazer. Faz um discurso na Câmara dizendo que vai cortar o dinheiro dos velhinhos, que vai cortar a vinculação com o salário mínimo (...) Vão ficar todos aqui sorrindo. Mas vá andar no meio da rua para ver o que acontece. O Armínio vai me beijar, o outro lá vai me beijar, o turco (Ibrahim Eris) ali vai me beijar (...) mas eu não vou sair no meio da rua, no Ceará não volto mais, vou ter que viver na Turquia". A cobrança foi tanta que até ressentimentos anti-paulistas afloraram do diplomático presidente tucano: "Vou contestar aqui meu amigo André Montoro que disse que a maior revolução fiscal foi feita aqui em São Paulo. Todo mundo sabe da admiração que tenho pelo Covas. Revolução fiscal é no Ceará, pobre, de onde você tira leite de pedra sem privatização, sem Banespa para privatizar". Este foi o único momento de um debate de mais de quatro horas em que se falou de privatização. Lá estava, além do Iedi, e da cúpula tucana, a nata dos economistas brasileiros, muitos dos quais ex-colaboradores de governos tucanos. Nem de venda de excedente de ações do Banco do Brasil ou de Eletrobrás se falou. Deve ser pelo trauma.

Partido exibe as cicatrizes de 8 anos de poder

A idéia dos debates é boa. Foi escolhida uma dúzia de temas e em torno deles o partido montará mesas em todo o país. O próximo, sobre a questão fiscal, acontecerá em março, no Rio. Mas, na primeira parte do debate de estréia o que se viu foi uma reedição das brigas do que se convencionou chamar de monetaristas e desenvolvimentistas de indesejável memória. Doze anos depois da posse de FHC no Ministério da Fazenda, o partido ainda não foi capaz de produzir uma síntese de política econômica que faça diferença em 2007. A indefinição do PSDB entre o prefeito José Serra e o governador Geraldo Alckmin é café pequeno face ao racha de seus formuladores. Nem Armínio Fraga, comedidíssimo em suas considerações à atual condução da política monetária, nem Yoshiaki Nakano, mais azedo em suas críticas, satisfizeram os ânimos dos industriais. Os economistas mostraram não ter avançado um único milímetro na defesa arraigada de suas posições. A turma que topa o ajuste fiscal até o limite do déficit nominal zero quer em troca a queda de juros que o outro lado não abre mão. É o mesmo motor da guerra hoje travada entre o Tesouro Nacional e o BC. Antonio Palocci monitora essa briga soltando a corda de Joaquim Levy na medida em que se vê acossado internamente contra seus crescentes poderes no comando da reeleição. A diferença é que o governo, para o bem e para o mal, tem no presidente da República um árbitro. O de plantão é candidato vai monitorar esta briga em benefício de sua reeleição. Está claro que precisará empreender mudanças impopulares num eventual segundo mandato. Como fez mudanças mais radicais na Previdência, por exemplo, do que os tucanos - em grande parte porque o PSDB lhe deu os votos que o PT negou a Fernando Henrique - e ainda está chegando à reta final com popularidade em alta, deve se sentir liberado para escolheras mudanças que quiser anunciar de antemão. Na guerra tucana não apenas falta o árbitro como, quem quer que seja o escolhido terá que apresentar alternativas não apenas ao atual governo quanto aos oito anos em que o partido esteve no poder. Pela intervenção que fez no evento, Serra não deixou dúvidas que tomará partido dos insatisfeitos com a atual condução da política econômica. Alckmin entrou mudo e saiu calado do seminário, mas se o colégio eleitoral tucano estivesse circunscrito à Casa das Garças, centro de estudos onde pontificam os economistas da PUC do Rio, ele provavelmente já estaria ungido candidato. Um dos poucos consensos gerados pelo seminário foi o de que a economia brasileira, apesar de tantos desencontros entre seus formuladores, encontrará o ambiente mais favorável para voltar a crescer que essa geração de políticos que hoje disputa o poder já viveu. Isso basta para entender por que Serra e Alckmin sentaram-se lado a lado a tarde toda sem trocar uma única palavra.