Título: Juro real ameaça cair abaixo de 10%
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 24/02/2006, Finanças, p. C2

O Banco Central manifesta informalmente em relação ao juro real o mesmo comportamento autista com que trata oficialmente a taxa de câmbio: ele não tem nada a ver com isso, seu compromisso exclusivo é com o juro nominal básico e a meta de inflação, quem determina o juro real e o câmbio é o mercado. Não é bem assim: por ação ou omissão, o BC também faz esses dois preços. E ele está bem perto de induzir a formação de um juro real ex-ante (projetado 12 meses à frente) abaixo de 10%, o que não se vê desde 19 de setembro de 2004, quando estava em 9,95%. O mercado monetário só está esperando que o Copom, em sua próxima reunião (8 de março), sacramente a expectativa de um corte da Selic de um ponto percentual para derrubar o juro do swap de 360 dias para aquém da linha de 15%. Ontem, esse juro referencial de um ano caiu de 15,30% para 15,25%. Estava no início do mês em 15,85%. Encaminha-se para 14,90%, patamar que irá definir juro real abaixo de 10% para um IPCA estimado em 4,46% para os próximos 12 meses. O juro real caiu ontem a 10,33%. Mas há dois fatores que apavoram o BC: PIB crescendo acima de 3,5% e juro real abaixo de 10%. O BC bem que gostaria de evitar uma intensificação do desaperto monetário iniciado em setembro. Mas parece que não vai ter como justificar a manutenção do ritmo de queda de 0,75 ponto. A inflação, após o soluço rotineiro dos meses de janeiro, já sucumbe à demanda fraca e à derrocada do dólar. Os analistas prevêem que a FGV vai divulgar, hoje cedo, um IGP-M fechado de fevereiro muito perto de zero, talvez até negativo. A taxa de câmbio, mesmo em dias de feroz tiroteio especulativo, como ontem, não consegue depreciar-se muito. E o risco-país - antigamente, em épocas de altas assustadoras, lembrado como um dos principais formadores do juro básico - desceu ontem a novo piso histórico, a 223 pontos-base. O BC não terá como fugir à sua obrigação: aos fatores técnicos a recomendar um corte mais fundo da Selic, se juntam os econômicos relacionados à fuga das multinacionais e à queda das exportações.

Tiroteio provoca volatilidade cambial

O mercado futuro de juros sabe que ele não tem muita escolha, mas enquanto não houver uma manifestação formal as baixas serão contidas, embora persistentes. Ontem, o contrato para a virada do trimestre registrou sua décima baixa consecutiva. A taxa recuou de 16,70% para 16,69%. E o contrato para a virada do ano cedeu de 15,38% para 15,34%. O DI futuro procurou ontem não se envolver na refrega entre "comprados" e "vendidos" travada no recinto ao lado, o mercado futuro de dólar. A briga em torno da formação da "ptax" (taxa oficial de câmbio) que irá liquidar os contratos futuros e a rolagem de posições para o próximo vencimento expandiram o giro de negócios a ponto de provocar o terceiro maior volume da história. De manhã, o dólar chegou a cair 1,02% - depois que o Tesouro anunciou a intenção de recomprar antecipadamente todos os bradies em mercado - e, de tarde, a subir 0,70%, para fechar quase no zero-a-zero, alta de 0,09%, a R$ 2,1430. Mas o BC não tem nada a ver com essa volatilidade.