Título: O avanço do Estado no crédito privado
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2006, Brasil, p. A2
Nos últimos dias, os quatro maiores bancos do país anunciaram lucros recordes. Em 2005, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco e Itaú apuraram, juntos, lucro líquido de R$ 17 bilhões. É muito dinheiro. Equivale a quase o dobro do que foi gasto pelo governo federal, no ano passado, com obras de infra-estrutura e outros investimentos. Na sexta-feira, o IBGE informou que, no último ano, a economia brasileira expandiu apenas 2,3%. Embora não pareça, as duas notícias têm um motivador comum: a voracidade fiscal do Estado brasileiro. Emprestar ao governo faz a alegria dos bancos e diminui a oferta de crédito ao setor privado. Em última instância, os bancos lucram mais e o PIB cresce menos. Um estudo recente do economista David Hauner, do Fundo Monetário Internacional (FMI), mostra os impactos dessa situação sobre o sistema financeiro e a economia. Hauner fez um trabalho meticuloso. Analisou a situação de 73 países em desenvolvimento e de seus cerca de 2.800 bancos. Descobriu que, em 13 dessas nações, o governo absorve mais de 50% do crédito bancário total. O Brasil, evidentemente, está nesse grupo (acompanhado de Albânia, Argélia, Argentina, Gana, Indonésia, Jamaica, Líbano, Líbia, México, Catar, Síria e Turquia). Na tabela abaixo, o leitor pode comparar a situação brasileira com a de seus competidores e também com a média dos 73 países analisados pela pesquisa. Intitulado "Política Fiscal e Desenvolvimento Financeiro", o estudo de Hauner mostra que, nos últimos anos, muitas economias emergentes vêm trocando dívida externa por interna, a exemplo do que o Brasil está fazendo na gestão Lula. O economista não questiona propriamente a estratégia desses países, mas chama a atenção para os problemas que a elevada absorção de crédito privado pelo setor público provoca nas respectivas economias. Hauner sustenta, amparado em cálculos matemáticos, que, quanto mais um governo toma emprestado do setor bancário, mais ele contribui para o fraco desenvolvimento do sistema financeiro, o que, por sua vez, restringe o crescimento de longo prazo. O caso brasileiro, que não é comentado especificamente pelo economista, é clássico. Para financiar seus gastos, o governo absorve mais da metade do crédito bancário disponível, a um custo elevadíssimo - o mais alto do planeta. Ganhando fortunas com o setor público, bancos e investidores em geral não vêem motivação para financiar o setor privado e, por isso, sobra pouco crédito para a economia. Crédito de longo prazo só existe no BNDES, um banco estatal. O mercado de capitais não se desenvolve. Os efeitos dessa situação são danosos e Hauner conseguiu comprová-los em seu estudo.
Voracidade fiscal segura o PIB, indica estudo
"(...) Descobrimos que, embora isto (o crescente aumento do crédito do setor público) não esteja relacionado ao nível de renda (dos países), ele tende a ser associado a taxas de crescimento menores, mais intervenção do governo na economia, mais propriedade estatal no setor bancário e direitos mais fracos por parte dos credores", diz o economista, como se falasse exclusivamente do Brasil. "Pode-se esperar, dos bancos que emprestam principalmente para o setor público, que sejam relativamente lucrativos, mas também que sejam ineficientes, uma vez que tendem a ter lucros fáceis, a engajar-se em baixa competição por clientes, a ter incentivos especiais para cartelizar e a ser freqüentemente controlados pelo governo", acrescenta David Hauner. Essas características estão presentes no Brasil, onde os quatro maiores bancos detêm 52,5% dos ativos do sistema financeiro (dados do Banco Central referentes a setembro de 2005, excluindo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES). Dos quatro grandes, dois são estatais - Banco do Brasil e Caixa - que, juntos, detêm 30,6% dos ativos. No longo prazo, quem sofre com essas características são os próprios bancos privados, que, embora lucrem mais emprestando ao governo, perdem eficiência. Segundo Hauner, a forte presença do Estado no crédito privado prejudica, além da qualidade dos serviços bancários, o desenvolvimento e o aprofundamento financeiro de uma economia. "Esse impacto, por si só, deveria dar aos formuladores de políticas uma pausa para pensar, dada a ligação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico e a crescente consciência de que setores financeiros subdesenvolvidos podem forçar a abertura financeira de uma economia, aumentando a suscetibilidade a crises na conta de capital", adverte o economista do Fundo Monetário.