Título: Brasil cede à Argentina e prorroga acordo automotivo sem data para livre comércio
Autor: Sergio Leo e Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2006, Brasil, p. A2

Depois de muito insistir com a Argentina, os brasileiros recuaram e admitiram que o acordo automotivo provisório deixasse de estabelecer uma data para que o livre comércio comece a valer entre os dois maiores sócios do Mercosul. Com isso, negociadores dos dois países fecharam na noite da sexta-feira o texto que prorroga, até 30 de junho, as normas de comércio compensado no setor. O acordo passou ao largo da polêmica diferença relativa ao imposto de importação que a Receita Federal ameaçava cobrar das indústrias brasileiras. O secretário Jorge Rachid assinou, na sexta-feira, um Ato Declaratório Interpretativo em que dispensa as empresas do pagamento do imposto não recolhido desde 2002, com o argumento de que o regime que dispensou as empresas do imposto é independente das regras do acordo automotivo. A cobrança era exigida pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sob o argumento de que o acordo teria revogado o desconto de 40% permitido por lei para o pagamento de imposto de importação sobre partes e peças. Questionada pelo TCU, a Receita Federal, em nota técnica de agosto de 2005, chegou a concluir que o benefício estava revogado em função do acordo entre Brasil e Argentina. Consultada, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) emitiu, um mês após, um parecer no qual também entendia que o redutor estava suspenso. Depois de quase cinco meses ameaçando cobrar dos empresários US$ 9 bilhões pelo imposto não recolhido, o Ministério da Fazenda mudou de posição e decidiu livrar os empresários dessa conta bilionária. O ato declaratório divulgado pela Receita colide com as manifestações anteriores do próprio órgão e da Procuradoria. Foi cogitado tratar do assunto na prorrogação do acordo com a Argentina, mas a idéia foi abandonada pela interpretação de que traria mais incertezas. O ato assinado por Rachid afirma que só teriam de pagar o imposto as empresas que se habilitaram ao regime de tributação previsto nos decretos que regulamentaram o acordo automotivo Brasil-Argentina. As empresas automobilísticas, segundo o governo, não se habilitaram segundo os decretos, e optaram pelo desconto de 40% previsto pela Lei 10.182/2001. Segundo o secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Antônio Sérgio Martins Mello, os argentinos aprovaram esse desfecho porque também têm incentivos que diferem do acordo automotivo. Pelo acordo, ficou mantido o sistema de comércio compensado, o chamado "flex trade", pelo qual cada país pode vender ao outro o equivalente a 2,6 vezes o que importa do parceiro. A Argentina, cujo mercado hoje tem mais de 65% em veículos comprados do Brasil, quer mudar a regra, para forçar as empresas a fabricarem mais peças e veículos em fábricas argentinas. Para isso, quer que a contabilização do índice de 2,6 seja por empresa, não mais por país. O Brasil, pelo contrário, quer maior flexibilidade, e defende que, no cálculo do flex, sejam consideradas as exportações totais do país importador, e não mais apenas as vendas ao vizinho. Seria uma forma de estimular o Mercosul como plataforma de exportação das montadoras. Os brasileiros poderiam vender mais carros aos argentinos a cada aumento nas vendas externas da Argentina a qualquer parte do mundo, não só para o Brasil, como hoje. "Para nós, a questão de fundo é como o Mercosul se relaciona com os outros blocos. Não queremos restrições ao comércio, provocadas pela conjuntura, que possam mostrar para o mundo controles excessivos. O sistema por empresa é um exemplo desse excesso", disse Mello. Até que o acordo provisório entre os dois países possa ser aplicado, podem ocorrer dificuldades momentâneas no comércio automotivo bilateral.