Título: Derrubar a reeleição não será tarefa fácil
Autor: Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2006, Política, p. A6

A mesma dificuldade que os políticos enfrentaram em 1997 para instituir, no Brasil, a reeleição para cargos executivos, encontrarão novamente agora se quiserem mesmo dar espaço aos que a consideram definitivamente inadequada à política aqui praticada e pretendem revê-la. Muitos dos que quiseram a reeleição, antes, hoje querem extinguí-la, e muitos dos que a condenaram pretendem lutar para mantê-la. Isto só já demonstra como o tema continua controvertido e sujeito a casuísmos. O presidente do Senado, Renan Calheiros, retomou o debate sobre a reeleição na semana passada, de uma forma surpreendente. Teve um encontro com o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, em cuja agenda não estava a reeleição, e saiu da audiência falando dela. O senador acha necessária a retomada do debate este ano e disse que a votação da proposta de emenda constitucional que acaba com a reeleição é prioridade em 2006, ano eleitoral em que o Congresso, com certeza, fará poucas votações. Para o presidente do Senado, esta revisão é consensual. Aldo discorda e disse isto no mesmo dia do encontro com o senador. Considera praticamente impossível eleger o tema como prioritário para este ano, mesmo que cercado de todas as garantias de que qualquer mudança só valerá para depois da tentativa de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente da Câmara não quer dedicar tempo ao assunto por duas razões principais. Primeiro, porque acha difícil decretar o fracasso da reeleição com tão pouco experiência no Brasil. São quase 10 anos, e a reeleição já foi aplicada uma vez para a Presidência da República, para os governos estaduais e prefeituras. Segundo, porque acha Aldo que não se pode dar prioridade a uma questão como esta, em um difícil ano eleitoral, quando as negociações e votações ficam muito emperradas e muito há por fazer. Lula questiona o instituto da reeleição, poderia patrocinar uma revisão, como a volta ao mandato de 5 anos para depois de 2010, mas o PT não quer sequer pensar nisto quando tem seu até agora único candidato capaz de eleger-se e reeleger-se presidente, e ainda precisa formar sucessores. O candidato mais forte do PSDB e o maior adversário do PT, José Serra, também não aprova a reeleição, mas o partido de oposição também não se dispôs a abraçar a causa da extinção. Mesmo tendo o pré-candidato tucano melhor situado nas pesquisas contra a reeleição, Aldo Rebelo, um aliado do governo, acha que tratar deste assunto agora é "trabalhar com a pauta do PSDB". Foram os tucanos que, em 1994, trabalharam pelo mandato de quatro anos sem reeleição. Segundo interpretação feita na aliança governista, estavam motivados pelo temor da vitória de Lula. Eleito Fernando Henrique, consideraram quatro anos pouco e fizeram a reeleição. "Nós fomos contra a reeleição", explicou Aldo Rebelo, que até participou com outros autores de um livro sobre a questão. Para Aldo, qualquer pesquisa histórica rápida mostra que homens legalistas, de convicções democráticas, como Floriano Peixoto e Deodoro da Fonseca, não quiseram a reeleição.

O presidente do Senado quer, o da Câmara, não

A essência da rejeição se devia à evidência de que o titular do cargo, como a experiência tem demonstrado, moveria montanhas para se reeleger, numa obsessão que se inauguraria junto com o primeiro dia de governo do primeiro mandato. "A impressão forte sobre as dificuldades para o instituto da reeleição permaneceram por mais de 100 anos, nem os militares fizeram a recondução de seus presidentes", assinala o presidente da Câmara. No entanto, ao contrário de muitos que eram contra, por estas mesmas razões, e continuam contra, clamando pela revisão, Rebelo acha a mudança extemporânea. "Fernando Henrique aprovou a reeleição; passada uma vez, querem acabar com ela? Qual o motivo? Era um pretexto? Um casuísmo? Por que não se debate mais o assunto antes de condená-lo?", questiona Aldo. Embora seja favorável ao amplo debate, o presidente da Câmara não acha que seja oportuno fazê-lo agora, nem mesmo este ano. "As razões pelas quais éramos contra, podem permanecer ou não, o debate vai mostrar", diz. "E um reexame da cautela com que o assunto sempre foi tratado historicamente, no Brasil, à luz das instituições de hoje, pode realmente apontar a necessidade de mudança. Ou não". Para isto, diz Aldo, será necessário ter uma maturidade que não se sabe se os políticos serão capazes de ter, ou se cada um vai tratar da sua reeleição e não vai querer alterar a legislação na sua vez. Nesta análise, Rebelo acredita que é preciso discutir, por exemplo, o fato de que muitos grupos permaneceram no poder, por vários anos, sem que houvesse o instituto da reeleição. Isto ocorreu no Ceará, na Bahia, no Rio Grande do Sul, em São Paulo. "Qualquer mudança tem que ser feita com maturidade, não podemos ser ciclotímicos", diz Aldo. Revolver o problema no momento da campanha da reeleição de Lula é, a seu ver, ainda mais inoportuno. "É como se tivessem todos concluindo agora, na segunda experiência, que reeleição não dá certo, e fossem fazer um arranjo na cozinha dos partidos".

Síntese

Quem está trabalhando com João Santana, o novo publicitário do presidente Lula, é a Síntese, empresa de pesquisa de Belo Horizonte, que já fez vários projetos para este governo, inclusive abastecendo de dados o ex-marqueteiro do Planalto, Duda Mendonça. É uma instituição pouco conhecida, formada por um grupo de pessoas que passaram pelo Vox Populi, de onde se originaram também os fundadores do Sensus.