Título: Reeleição de Obasanjo provocaria distúrbios em larga escala na Nigéria
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Fonte: Valor Econômico, 01/03/2006, Internacional, p. A8

O país está em crise. Na semana passada, rebeldes na região rica em petróleo do delta do rio Níger seqüestraram trabalhadores estrangeiros e explodiram as instalações, obrigando a oitava maior exportadora de petróleo do mundo a reduzir sua produção em 20%. No norte, dominado por muçulmanos, multidões incendiaram igrejas e mataram dezenas de pessoas nas mais violentas demonstrações já deflagradas pelas caricaturas do profeta Maomé. No leste, cristãos revidaram ateando fogo a mesquitas e matando dezenas de muçulmanos. Esses surtos de caos no país mais populoso da África, de 130 milhões de habitantes, são um mau sinal para a Nigéria, que terá eleições nacionais no próximo ano. Espera-se que o presidente Olusegun Obasanjo ceda o seu lugar após dois mandatos. O Movimento pela Emancipação do Delta do Níger (Mend, na sigla em inglês), que reivindica a autoria dos atentados, afirma que lutará até o governo aceitar que os Estados produtores de petróleo controlem suas receitas. O Mend alega ter o apoio da maior tribo no delta, a Ijaw, que se sente excluída da riqueza extraída das suas terras. Na condição de presidente civil eleito após o fim do regime militar, em 1999, Obasanjo apostou sua reputação internacional na transformação da Nigéria em um país mais estável e próspero. Anos de descaso, porém, deixaram as forças armadas reduzidas a apenas alguns barcos para patrulhar a vasta rede de pântanos e córregos. Rebeldes conseguem realizar ataques impunemente. E a situação é complicada pelos muitos grupos armados e oficiais das forças de segurança, que formam cartéis para exportar petróleo roubado a sindicatos internacionais do crime. Obasanjo, um ex-comandante militar, foi selecionado pela elite política da Nigéria para se apresentar como candidato de consenso nas eleições realizadas após a morte do último ditador nigeriano, Sani Abacha, em 1998. Ele, porém, irritou políticos nigerianos proeminentes com suas campanhas contra a corrupção e por sua aparente quebra de promessas. "Ele isolou todos os que inicialmente lhe ofereceram sua boa vontade", disse um general da reserva ainda ativo politicamente. O presidente tem reprimido qualquer menção de dissidência separatista e mandou prender um poderoso militante Ijaw por suposta traição. Seu governo também incomodou líderes muçulmanos ao proibir a atuação da polícia especial usada em um Estado do Norte para implementar a lei da Sharia. Políticos nigerianos há muito costumam usar a religião para tumultuar eventos. Milhares de pessoas foram mortas desde que 12 Estados do norte (de 36) declararam a Sharia em 2000. Líderes políticos muçulmanos esperam que o governante Partido Democrático do Povo nomeie um nortista muçulmano para suceder a Obasanjo, um sulista cristão. Obasanjo, no entanto, recusa-se a dissipar suspeitas de que ele poderia tentar uma emenda constitucional para permanecer no cargo por um terceiro mandato. Companhias de petróleo e governos ocidentais observam atentamente a situação. John Negroponte, chefe máximo dos serviços de informação da América, disse que, se Obasanjo permanecer, poderá "desencadear distúrbios em grande escala" que levariam à "interrupção no fornecimento de petróleo, a iniciativas separatistas, a fluxos maciços de imigrantes e à instabilidade em todos os lugares no oeste da África". Obasanjo gosta de se exibir no exterior como democrata amante da paz e anseia em herdar o manto do estadista mais antigo da África, Nelson Mandela. Se assim for, ele deveria prometer não se candidatar de novo.