Título: Cade troca índice de correção e valor de multas diminui
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2006, Brasil, p. A3

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) mudou o critério de atualização monetária das multas cobradas junto às empresas, reduzindo os valores pela metade. O órgão antitruste vinha aplicando a taxa Selic, mas resolveu aderir ao Índice de Preços ao Consumidor Ampliado Especial (IPCA-E ), em julgamento realizado há duas semanas. A diferença nos valores foi brutal. As multas do Cade começaram a se intensificar em 27 de outubro de 1999, quando houve a primeira condenação por cartel. CSN, Usiminas e Cosipa foram condenadas a pagar R$ 54,8 milhões. As empresas recorreram à Justiça para não pagar as multas. Com a lentidão do Judiciário, o processo se arrasta até hoje. Se as empresas perderem e tiverem que pagar, os valores, atualizados pela Selic, dobram. Chegam quase a R$ 110 milhões. Se o índice for o IPCA-E, ficam em R$ 82 milhões, quase R$ 30 milhões de diferença em apenas um processo. Com a nova sistemática de atualização, as empresas que não conseguirem se livrar das multas, terão uma redução considerável nos valores cobrados. Por exemplo, multas de R$ 100 mil em 1999, atualizadas pela taxa Selic, chegariam a R$ 200 mil hoje. Aplicando o IPCA-E, o valor cai para R$ 150 mil. A redução, para quem foi multado em 1999, é de 25%. A adoção do IPCA-E vem em boa hora para as empresas. O Cade está cada vez mais rígido com relação aos cartéis e as condenações estão se tornando constantes. O " cartel da laranja " - indústrias de suco investigadas por dividir a compra do produto junto aos fazendeiros - pode levar a multas de R$ 2 bilhões. O " cartel das britas " - 18 empresas do setor de mineração e britas para construção civil que dividiram o mercado - foi condenado a penas de até R$ 20 milhões. As empresas condenadas pelo Cade estão recorrendo sistematicamente ao Poder Judiciário e, ao fazê-lo, ganham um novo receio: a contabilização de juros sobre as multas. " Um cliente nosso concordou em pagar a multa, mas não com a atualização da Selic " , conta o advogado Gabriel Troianelli, do escritório Barbosa, Müssnich e Aragão. " Então, procuramos criar uma tese que combatesse o uso da Selic pelo Cade " . O problema é que a Lei de Defesa da Concorrência (nº 8.884) determina que as multas do Cade devem ser atualizadas pelo mesmo índice de correção monetária utilizado para corrigir tributos federais. Desde o Plano Real (1994), não há mais a correção por índices específicos, somente a taxa Selic acrescida de juros. A tese levantada por Troianelli é que a Selic não representa apenas correção, pois embute juros. Logo, não poderia ser utilizada. O Cade concordou com essa tese, por unanimidade. A nova sistemática de contabilização das multas foi recebida com elogios pelos advogados, já que reduziu os valores a serem pagos pelas empresas-clientes. " Temos que elogiar o Cade, porque o órgão agiu dentro de sua função, que é reguladora, e não arrecadatória " , afirma Ivo Teixeira, também advogado do Barbosa, Müssnich e Aragão. Para Teixeira, o Cade não deve atuar como a Receita Federal ou a Procuradoria da Fazenda, órgãos com a função de trazer mais dinheiro para os cofres do governo. A função do Cade é regular os mercados. A disputa por índices que reforcem o caixa do governo deve ficar restrita a outros órgãos do governo, avalia o advogado. O procurador-geral do Cade, Arthur Badin, concorda com o fim do uso da Selic para atualizar as multas pelo fato de embutir juros e, assim, punir as empresas pela demora dos órgãos do governo. No entanto, Badin não considera que a interpretação esteja consolidada dentro do Cade. " É uma interpretação adotada num julgamento " , explica. Segundo Badin, a nova sistemática foi retirada do Tribunal Regional Federal de Brasília, que usa o IPCA-E para casos em que não havia previsão de correção monetária no contrato ou na lei.