Título: Menos nacionalismo, mais energia
Autor: Matthew Lynn
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2006, Opinião, p. A15

Europa deveria se preocupar com seu suprimento de eletricidade, não com disputas de poder

Quer comprar um companhia de eletricidade européia? Nem pense nisso. Quando a Suez S/A e a Gaz de France S/A - gigantes francesas do setor energético - anunciaram nesta semana planos de fusão para criar a segunda maior companhia de eletricidade do mundo, a idéia provocou uivos de protesto da Enel SpA, da Itália, que desejava, ela própria, adquirir uma empresa francesa. Quando a alemã E.ON AG ofereceu US$ 34,6 bilhões em dinheiro pela espanhola Endesa S/A, a iniciativa provocou urros de dor em Madri. Até mesmo os britânicos, que geralmente recebem com despreocupada indiferença as aquisições internacionais que têm como alvo suas companhias, mostraram-se nervosos, no mês passado, quando a russa OAO Gazprom considerou a compra da Centrica Plc, maior distribuidora de energia do Reino Unido. Neste momento, provavelmente seria mais fácil Osama bin Laden comprar o Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York, do que um estrangeiro concluir a aquisição de uma companhia de eletricidade européia. O fato é que, em meio ao bate-boca nacionalista entre países europeus, os problemas reais com que se defronta o setor energético estão sendo ignorados. A Europa deveria estar preocupada com seu suprimento de eletricidade - não com disputas políticas por poder. Deveria estar pensando em como assegurar suas necessidades energéticas de longo prazo. Isso significa suprimento confiável obtido de uma diversidade de tecnologias. Quem possui as usinas de eletricidade deveria ser uma questão insignificante. "Neste momento, o clima é contrário a uma integração", diz Katinka Barysch, um economista do Centro para Reforma Européia, em Londres. "Os políticos apropriaram-se das preocupações com a segurança do suprimento energético e tiram proveito dela". É inquestionável o turbilhão emocional provocado por iniciativas no sentido de consolidar o setor elétrico na Europa. Quando a União Européia (UE) começou a liberalizar o mercado, tinha provavelmente a expectativa de enfraquecer o nacionalismo econômico. Em vez disso, a liberalização apenas inflamou a emoções. A tentativa da E.ON de capturar uma fatia do mercado espanhol deixou indignados os "hombres" orgulhosos em Madri. Apesar de suas companhias estarem se apoderando de ativos em todo o restante da Europa (bancos britânicos, por exemplo), quando os papéis invertem-se, os espanhóis correm para as barricadas. "Todos os países europeus querem ter grandes empresas no setor energético", disse o ministro da Indústria espanhol, José Montilla, a repórteres em Madri na semana passada. "Não sei porque, se todos os outros países europeus querem tal coisa, nós, espanhóis, temos de abrir mão". Analogamente, os comentários da Enel sobre entrar na França defrontaram-se com um grave "não" de Paris. De acordo com o jornal "La Stampa", o primeiro-ministro francês Dominique de Villepin telefonou para seu colega italiano, Silvio Berlusconi, para expressar sua oposição a uma aquisição da Suez. Ele a consideraria um ataque à França. "A independência em fornecimento de eletricidade em nosso país é um interesse estratégico para a França", disse Villepin.

Em meio ao bate-boca nacionalista entre países, os problemas reais com que se defronta o setor energético estão sendo ignorados

E o anúncio da Gazprom de que poderá fazer uma proposta de compra da Centrica, que tem cerca de 18 milhões de clientes, teve como réplica um advertência do Departamento de Comércio e Indústria do Reino Unido. Em determinado nível, é compreensível que os países se preocupem com quem é proprietário (e portanto controla) de seus suprimentos de eletricidade. Afinal de contas, numa economia moderna, não há commodity mais essencial do que energia. Sem energia, as pessoas não podem aquecer suas casas, transportar mercadorias, fazer funcionar fábricas ou mesmo escritórios. E neste exato momento, os políticos europeus estão nervosos em relação à segurança energética. A região depende cada vez mais da Rússia para obter seu petróleo e gás. "A Rússia, sob a presidência de Putin, parece determinada a empregar seus recursos energéticos como uma arma para ampliar ambições que podem ser qualificadas de imperialistas", diz Stephen Lewis, economista-chefe da Monument Securities Ltd., em Londres, em nota a investidores nesta semana. Não se asseguram suprimentos de energia impedindo fusões entre companhias francesas e italianas ou alemãs e espanholas. "Uma integração em nível europeu seria, na realidade, proveitosa para a segurança do abastecimento", diz Barysch. "Pois permitiria a redistribuição de recursos, bem como a alocação de mais recursos a pesquisa e desenvolvimento". Na realidade, não é muito relevante quem seja o proprietário das companhias de eletricidade. Quem é dono dos dutos na Espanha, ou quem opera o grande computador na França que imprime as contas, não é importante. O que conta é quem controla a energia que corre nos dutos. Não é saudável para a Europa ficar dependente da Rússia, do Irã ou, na realidade, de qualquer fornecedor único. É necessária uma diversidade de fontes. Isso significa que o petróleo e o gás deveria provir de diversos países - de modo que qualquer deles poderia ser "desligado" sem causar uma crise. E a Europa necessita de um leque de tecnologias distintas - dos tradicionais combustíveis fósseis a biocombustíveis e energia obtida do vento, sol, água e, embora algumas pessoas não gostem disso, também precisamos de eletricidade gerada em usinas nucleares. Assim, quando uma fonte estiver escasseando, haveria outra em substituição. Nenhum fornecedor ou tecnologia únicos deveriam ter condições de manter a Europa refém. Os políticos que falam sobre combustíveis alternativos, sobre conservação de energia e sobre garantir que a Europa tenha várias fontes de suprimento, estão pensando genuinamente nas necessidades européias de longo prazo. E aqueles que barram fusões entre companhias de eletricidade estão apenas assumindo poses vazias de significado e esquivando-se de enfrentar as verdadeiras questões.