Título: Investidores estrangeiros estão de olho nos imóveis
Autor: Raquel Balarin, Carolina Mandl e Catherine Vieira
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2006, Especial, p. A16

Estratégia Com valorização das ações, aplicadores buscam ativos no setor

O presidente do banco Credit Suisse no Brasil, Antonio Quintella, é um executivo comedido. De fala pausada, não costuma ter meias-palavras e não dá opiniões sobre o que não conhece. Por isso, muita gente se surpreendeu no fim do ano passado quando, em um almoço, ele foi categórico: "O potencial de crescimento do setor imobiliário no Brasil é explosivo". Segundo ele, o banco - um dos que mais têm participado de ofertas de ações na bolsa - deve iniciar operações na área imobiliária, a princípio comprando carteiras de financiamento ao setor. A declaração de Quintella não seria surpreendente se tivesse sido feita nos Estados Unidos, na Europa ou até mesmo no Chile. Mas, no Brasil, acostumou-se à idéia de que bancos e setor imobiliário não combinam. Ainda mais se a instituição financeira for estrangeira. Dados da agência de classificação de risco Fitch indicam que apenas 4,8% da carteira de crédito bancário no país é direcionada ao setor imobiliário. Na Alemanha, 28%, e nos Estados Unidos, 38% (excluindo-se as gigantes Fannie Mae e Freddie Mac, que transformam hipotecas em títulos mobiliários, a chamada securitização). Na Inglaterra, nada menos que 50% do crédito dos bancos vai para imóveis, residenciais e comerciais. Planos econômicos, legislação confusa e dificuldade na retomada do imóvel são fatores que afastaram os bancos e outros investidores externos do setor nos últimos 25 anos. O que aconteceu, então, para que Quintella, o Credit Suisse e vários outros grupos estrangeiros mudassem de idéia e passassem a ver a área imobiliária como tão promissora? Em primeiro lugar, uma lenta mudança das regras. Nos últimos dez anos, foram criadas as bases para que as hipotecas se transformassem em produtos financeiros. Depois, veio o patrimônio de afetação (que aparta os imóveis financiados dos ativos da construtora) e a alienação fiduciária, mecanismo pelo qual o financiador pode retomar o bem em caso de inadimplência, com relativa rapidez. Mas nada disso teria sido suficiente sem um cenário de queda na taxa de juro. E é essa perspectiva que agora tem chamado a atenção de estrangeiros. A avaliação externa é de que a cotação das ações já reflete um quadro de juro mais baixo a médio prazo e embute alguma expectativa de que o Brasil venha a ser classificado como grau de investimento ("investment grade" - selo de investimento não especulativo). A bolsa de valores sobe há três anos consecutivos. Mas o preço dos imóveis manteve-se inalterado no período. "Já houve uma valorização expressiva dos mercados financeiros, o que leva os investidores a analisar outros ativos. E, aqui no Brasil, ainda não houve um crescimento imobiliário como ocorreu no Chile e no México", afirma o executivo Fábio Nogueira, do Brazilian Group, que reúne três empresas controladas pelo Ourinvest e pelo grupo canadense CDP Capital. No México, segundo dados da Prudential Real Estate Investors, o preço dos imóveis teve uma valorização de 60% nos últimos anos. Desde 2000, um em cada US$ 5 investidos no setor imobiliário da América Latina foi destinado ao México. "Mas, dado o cenário positivo para o Brasil, isso deve mudar nos próximos cinco anos. E quem entrar hoje vai pagar menos", afirma Roberto Ordorica, presidente da Prudential Real Estate, que administra US$ 23 bilhões em ativos imobiliários no mundo (US$ 1 bilhão no México). No Brasil, a Prudential tem hoje uma equipe de 18 pessoas que está prospectando empresas com o objetivo de se associar. Há cinco anos, a empresa chegou a comprar uma participação na Atlântica Residencial, do grupo Icatu, mas a falta de financiamento impediu que o negócio, focado na venda de apartamentos para a classe média, fosse adiante. Quem também está de olho no Brasil é o GIC, braço de investimento do governo de Cingapura, que administra US$ 100 bilhões em reservas do país. Seek Ngee Huat, presidente do GIC Real Estate, disse ao "Financial Times" que duas prioridades na lista da empresa são Índia e Brasil. Por aqui, eles pretendem comprar um imóvel comercial ainda neste ano. O grupo tem investimentos em 30 países e é dono do Star Tower em Seul, do hotel Intercontinental de Paris (hoje da rede Westin) e do AT&T Corporate Center, em Chicago. Um sinal que tem entusiasmado os estrangeiros é a queda do risco-país, que bateu o recorde de 2.443 pontos-base em setembro de 2002 (24,43 pontos percentuais acima do título do Tesouro americano) e hoje está em 215 pontos. Daniel Citron, presidente da TishmanSpeyer no Brasil, diz que o imóvel é a última categoria de ativos que se valoriza quando os fundamentos de um país vão bem. "E o risco país não está mentindo", diz Citron. A americana Tishman entrou no país no fim da década de 90. Em 2002, tirou o pé do acelerador, depois de uma queda vertiginosa na demanda por escritórios. Agora, tem cinco projetos residenciais em andamento e está investindo R$ 500 milhões na construção de quatro torres de escritório em São Paulo. Outra estrangeira que já estava no Brasil e que está acelerando investimentos é a também americana Hines. Fechou uma parceria com o gigantesco fundo de pensão CalPERS (dos professores da California, com US$ 200 bilhões em ativos) para investir US$ 200 milhões na incorporação de imóveis e na aquisição de empreendimentos prontos. Cerca de 40% dos recursos já foram aplicados em centros de distribuição, escritórios e no lançamento de imóveis residenciais. O plano de investimentos do fundo criado por Hines e CalPERS, o HCB Brasil, prevê também a construção de casas populares em parceria com a construtora Goldfarb. "As oportunidades fora do Brasil são limitadas porque o preço dos imóveis na Europa e nos Estados Unidos está muito alto", diz Steve Dolman, administrador do fundo HCB Brasil. Ninguém se arrisca a dizer em que momento os preços dos imóveis poderiam subir ou de quanto é o potencial de valorização. Uma das principais incógnitas é a taxa de juro. Embora a perspectiva seja de queda, a taxa básica atual é alta e pouco estimula os produtos imobiliários. Se o investidor pode aplicar em títulos públicos que rendem 17,25% ao ano, sobra pouco apetite para comprar produtos financeiros lastreados em imóveis residenciais financiados a 12% ao ano, por exemplo. A expectativa é de que um dos primeiros segmentos a se valorizar será o ligado a empresas: escritórios ou fábricas construídas sob medida, o sistema "build to suit". Só depois vêm os imóveis residenciais. Mas aí, o potencial de valorização é enorme. "Há uma defasagem de preços nos imóveis residenciais no Brasil porque o volume de financiamentos é muito baixo. Com taxas mais baixas e prazos mais longos, o número de pessoas com capacidade de comprar um imóvel cresce e, conseqüentemente, demanda e preços aumentam", afirma Rafael Guedes, diretor executivo da agência de classificação de risco Fitch. As estimativas sobre o déficit habitacional brasileiro vão de 5 milhões a 7 milhões de unidades e o número de imóveis financiados é uma gota no meio desse oceano. Em 2005, foram financiados apenas 60,8 mil imóveis com recursos da caderneta de poupança (exclui financiamentos diretos com a construtora). Pelas contas de Zeca Grabowski, responsável pela área imobiliária do banco Pactual, são produzidas por ano cerca de 100 mil unidades no Brasil. No México, 700 mil. "Mas eles saíram de um patamar parecido com o nosso e evoluíram muito nos últimos cinco anos. Com a queda do juro, esse é o caminho natural para o Brasil." A perspectiva positiva para os imóveis residenciais já se reflete no mercado de capitais. Três empresas com forte atuação nesse segmento fizeram ofertas de ações em bolsa recentemente: a Gafisa, a Rossi Residencial, a Cyrela e a Company. As ações da Gafisa, que estrearam no pregão no dia 17 de fevereiro, tiveram valorização de 36% na primeira semana. A empresa tem entre seus sócios a Equity International, do americano Samuel Zell, um dos maiores investidores imobiliários dos Estados Unidos, com 24,5% das ações. O desenvolvimento do mercado de capitais conta a favor do Brasil na disputa pelos recursos dos estrangeiros. A bolsa brasileira é mais desenvolvida que a mexicana. "Isso cria uma oportunidade para os investidores comprarem diversos imóveis, listá-los em uma empresa na bolsa e encontrar uma forma de saída mais fácil", diz Ordorica, da Prudential. Se as previsões se confirmarem, Quintella, do Credit Suisse, terá muito trabalho pela frente: na área imobiliária e no lançamento de novos papéis na bolsa.