Título: Choque de realidade à europeia
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 23/05/2010, Economia, p. 20

Paternalismo do Velho Continente está em xeque. Com o colapso na Zona do Euro, cidadãos do bloco enfrentam restrições

Os países do bloco europeu terão que sacrificar a tradição secular de defesa da seguridade social a qualquer custo, simbolicamente representada pelo mito da criação de Roma, se quiserem equilibrar a situação fiscal e salvar a Zona do Euro. A lenda romana conta a história dos gêmeos Rômulo e Remo, que, abandonados, foram amamentados e protegidos por uma loba, mas também reflete as políticas de bem-estar social e gastos públicos elevados. Mal-financiadas, elas gestaram a atual crise europeia. A violência dos protestos ocorridos nas últimas semanas na Grécia deixa clara a dificuldade que a Zona do Euro terá de enfrentar para aplicar efetivamente as medidas anunciadas, como diminuição e congelamento de salários de servidores públicos e aposentados, aumento de impostos e taxação de patrimônios elevados. Apesar de amargo, esse parece ser o único remédio que a Europa poderá tomar para superar a crise. Segundo o professor de macroeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Robson Gonçalves, a redução de benefícios sempre gera oposição de determinados setores da sociedade. ¿Se a resistência fica concentrada naqueles que serão diretamente afetados pelas medidas, é razoável que se faça o corte¿, pondera. Para receber o socorro do Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos demais países da Zona do Euro, no valor total de 110 bilhões de euros, a Grécia se comprometeu a congelar reajustes de aposentados e reduzir em 30% as gratificações pagas aos servidores públicos no Natal, Páscoa e férias de verão (em agosto). Na esteira grega, vieram também Portugal, Espanha, Reino Unido, Alemanha e Itália, que também anunciaram fortes ajustes. ¿O cobertor é sempre curto e erros passados aumentam essa escassez de recursos. A retirada dos benefícios sociais não é positiva, mas é necessária no contexto desses países¿, avalia Gonçalves. Apesar de considerar um caminho ¿doloroso, mas que deve ser seguido¿, o estrategista-chefe do Banco WestLB no Brasil, Roberto Padovani, ressalta que a redução de benefícios não significa desamparo às questões sociais. ¿Só quer dizer que, diferentemente do ano passado, a política fiscal não vai empurrar a economia¿, afirma. A efetividade dos ajustes nas economias dependerá ainda da capacidade de recuperação dos países europeus, especialmente a Grécia, segundo avaliação do ex-diretor da Área Externa do Banco Central, Carlos Eduardo de Freitas. ¿Não adianta tentar implantar um plano de refinanciamento da dívida grega se não houver condições de cumprir. Senão, você promove uma revolução, mas nada é resolvido¿, acredita.

Lição de casa No Brasil, o discurso paternalista de preservar a população mais vulnerável ganhou força com o governo Lula, impulsionado em grande parte pelo entusiasmo do próprio presidente e pela aplicação de programas como o Bolsa Família. Para evitar, entretanto, que o país acabe no mesmo beco que os países europeus, Freitas lembra que o governo não pode descuidar da responsabilidade fiscal. ¿Tem que manter a dívida líquida entre 40% e 50% do Produto Interno Bruto (PIB), de preferência mais próximo de 40% e não deixar que o deficit nominal cresça acima de 3% (do PIB)¿, recomenda. Para Padovani, o aumento de gastos com políticas sociais é bem-vindo: ¿Gasto social é bom, ativa a economia¿. O estrategista ressalta que o principal problema brasileiro é a folha de pagamento do setor público. ¿É muito cara e não há nada a ser feito no curto prazo, mas o país precisa construir instituições fiscais que permitam reduzir o gasto público ao longo do tempo, sem depender do humor do governo que estiver como gestor¿, sugere.