Título: BONS GOVERNOS SALVAM VIDAS
Autor: GLÁUCIO ARY DILLON SOARES
Fonte: Valor Econômico, 18/03/2006, OPINIÃO, p. 7

Os crimes e as mortes violentas podem ser reduzidos através de políticas públicas inteligentes, baseadas em conhecimento sólido e não em achismos. Os homicídios, por exemplo, não respondem apenas a condições econômicas e sociais, mas são afetados por fatores políticos. Há, no Brasil, campo para ação política nas esferas federal, estadual e municipal. Em Diadema, prefeitura petista, a redução obtida nos crimes violentos foi considerável. No estado de São Paulo há muitos anos se observa um declínio sistemático. O último bom exemplo vem de Minas, onde dados saídos do forno, organizados pela Polícia Civil, mostram os resultados de políticas inteligentes, que aproveitaram o embalo do Estatuto do Desarmamento para reduzir dramaticamente os homicídios. A lei 10.826, de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento), entrou em vigor no dia seguinte. Porém, o decreto que a regulamentou só começou a vigorar em 2 de julho de 2004. O número de homicídios cresceu aceleradamente em Belo Horizonte, outrora uma das capitais estaduais mais seguras do Brasil, de 357 em 1997, a 1.268, em 2004. Foi somente em julho daquele ano que o Estatuto do Desarmamento entrou em ação na plenitude da sua força. Há algum tempo, o governo estadual mapeava os crimes, o que possibilitou identificar as áreas específicas de maior incidência. Com vários programas específicos, dos quais o ¿Fica Vivo!¿ talvez seja o mais conhecido, já lançara os fundamentos de uma redução significativa e persistente nos números do crime e da violência. Deu certo. Em Belo Horizonte, o número absoluto de mortes decresceu em 2005, contrariando a tendência à alta dos oito anos anteriores. Houve um declínio de 19% em relação a 2004. Reduções dessa magnitude são raras, só comparadas às obtidas em Nova York, Medellín, Bogotá, Diadema e outras poucas cidades. Esperava-se um crescimento linear de 164 homicídios, e houve uma redução de 241. Foram salvas em 2005, somente em Belo Horizonte, mais de quatrocentas vidas. Mas as boas notícias não acabaram aí: os dois primeiros meses de 2006 apresentaram nova redução: foram 133 homicídios, contra 217 no ano anterior, uma baixa de 23% em janeiro e outra gigantesca de 53% em fevereiro. Somente nesses dois meses, mais de oitenta vidas foram salvas na capital do estado. Tomando a projeção baseada nos dados de 1997 a 2004, o número foi ainda maior. Por quê? Por que estados como Minas e São Paulo usam políticas inteligentes e outros não o fazem? Por que aproveitaram o impulso do Estatuto do Desarmamento e outros não o fizeram? Minas tem uma tradição de cooperação entre instituições acadêmicas e policiais, iniciada pelo saudoso criminólogo mineiro Antônio Luiz Paixão e continuada por Cláudio Beato e sua equipe no Crisp, da UFMG. Criminólogos conhecidos nacionalmente assessoraram e assessoram os governos mineiros. Esses resultados foram obtidos sem alarde, sem violência, sem ocupações, respeitando os direitos de todos. Porém, em vários estados não existe essa inteligência especializada na sociedade civil; em alguns, ela existe, mas há resistência, seja por parte dos pesquisadores, seja por parte dos policiais, em trabalhar juntos. E, em alguns estados, como o nosso, simplesmente, não há governo. É a população que paga, com a vida, esse deboche.