Título: COMO NASCE UMA FAVELA
Autor: Daniel Engelbrecht
Fonte: Valor Econômico, 18/03/2006, O PAÍS, p. 14

Barracos se instalam em terreno de Manguinhos e deixam prédio dos Correios ilhado

Um cartaz num terreno no número 540 da Avenida Leopoldo Bulhões, em Manguinhos, anuncia: o Rio ganhou uma nova favela, localizada numa área de propriedade da Embratel. Já são 1.500 famílias morando na comunidade autodenominada Nova Era. Os invasores dizem estar preparados para resistir a qualquer tentativa de desocupação. O cartaz informa ainda que a comunidade foi ¿fundada¿ em 20 de julho de 2005. Com a saída da Embratel, que desativou suas instalações no terreno, a única grande empresa que restou naquele trecho da Avenida Leopoldo Bulhões foi a ECT (Correios). Apesar disso, o prefeito Cesar Maia minimizou os efeitos da favelização em Manguinhos: ¿ Talvez os dados dos censos de 1991 e 2000 possam mostrar que (a favelização) não é tanto assim. Mas, no caso da Embratel, foi descaso do governo federal na época, já que insistimos várias vezes. A área de 30 mil metros quadrados, cercada de favelas, estava abandonada pela Embratel há três anos, segundo o presidente da associação de moradores do local, Leonardo Januário da Silva. Ele organiza a ocupação da área, que tem prédios pequenos e dois grandes galpões. Um dos prédios virou igreja há duas semanas, comandada pela pastora Maura de Santana Silva, de 43 anos, que se diz a primeira moradora oficial da comunidade. Já os galpões são mantidos desocupados. O da frente virou área de lazer da comunidade, onde são organizados até shows, e o de trás está abandonado, acumulando água parada. ¿ Este ano tivemos três casos de dengue. Já pedimos a presença de agentes de saúde, mas não fomos atendidos ¿ diz Leonardo.

Prefeitura planejava construir moradias

Os barracos, boa parte de alvenaria, são dispostos linearmente. A energia elétrica vem de ¿gatos¿ puxados da favela vizinha, a Mandela 2. Os postes foram instalados pelos próprios moradores. Há duas bicas d¿água comunitárias. Os invasores têm planos de construir prédios populares. ¿ Queremos regularizar a nossa situação, obtendo títulos de propriedade, para então podermos solicitar financiamento para a construção de pequenos prédios com boa estrutura ¿ sonha Leonardo, que diz ter expulsado do local aproveitadores. ¿ Só ficaram as famílias necessitadas. A maioria veio de palafitas no Canal do Cunha. A ocupação do terreno foi facilitada pela falta de entendimento entre a Embratel, privatizada em 98, e a prefeitura. O município tinha um projeto de construção de mil residências populares, que dependia do desmembramento de parte do terreno. Mas não houve acordo com a empresa. Em 2003, segundo a Embratel, o processo de desmembramento proposto pela empresa em 2000 foi indeferido pelo 4º Departamento de Licenciamento e Fiscalização da prefeitura. Naquela época, uma área de 19 mil metros quadrados nos fundos já havia sido invadida e a empresa continuava operando nos 30 mil metros quadrados restantes. Quem vive hoje na Nova Era não admite a possibilidade de deixar o local: ¿ Vai ter até morte, mas ninguém vai sair. Queremos pagar para ter os serviços e construir as casas ¿ diz a pastora Helena. Se depender das intenções do prefeito, uma nova era pode de fato surgir para os moradores da favela. Perguntado se considera viável a compra do terreno ou a desapropriação, Cesar Maia foi lacônico: ¿ Certamente, e há seis anos, desde que era estatal. A Embratel informou que tomou conhecimento da mais nova invasão em 26 de setembro passado e que ajuizou uma ação de reintegração de posse. Segundo a empresa, o processo está suspenso por acordo entre as partes para a elaboração de um parecer do Instituto Estadual de Terras (Iterj), órgão responsável pela política de assentamentos do estado. A empresa informou ainda que desativou as instalações em 2004 porque o terreno foi alvo de sucessivas invasões e precisava garantir a segurança dos funcionários.