Título: As verdades de cada lado
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 23/05/2010, Mundo, p. 26

IMPASSE NUCLEAR

Especialistas avaliam as reais possibilidades de se alcançar uma solução negociada entre o Irã e o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos

Já se vão quase quatro anos desde que as potências ocidentais presentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas conseguiram aprovar uma primeira rodada de sanções contra o Irã com base na desconfiança sobre os fins de seu programa nuclear. De lá para cá, a preocupação do Ocidente com a possibilidade de Teerã desenvolver a bomba nuclear se intensificou, assim como as ameaças de mais sanções e, por consequência, o discurso iraniano em defesa de seu programa. E quando uma solução negociada entre os dois lados parecia inalcançável, um ajuste feito entre Irã, Brasil e Turquia para o acordo já proposto por Estados Unidos, Rússia, França e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), mostrou que a via diplomática ainda podia ser útil. Os Estados Unidos, no entanto, reforçaram o empenho para aprovar novas sanções no Conselho de Segurança. A decisão jogou um balde de água fria nos que se esforçaram em resolver o impasse por meio do diálogo, a despeito do alerta dos EUA de que manteria o calendário de punições. E mostrou que a questão vai muito além da discussão sobre a troca de urânio levemente enriquecido pelo combustível processado a 20%. ¿Se a questão fosse sobre os direitos e obrigações de cada um sobre seu programa nuclear, o problema teria sido resolvido de maneira rápida e fácil, já que todos esses pontos estão bem definidos dentro do Tratado de Não Proliferação (TNP). No entanto, a questão do enriquecimento é mais sobre as preocupações de ambos os lados¿, observa Hooshang Amirahmadi, fundador e presidente do American Iranian Council. Segundo Amirahmadi, o Irã está preocupado com a sua segurança nacional, energética e do regime, enquanto os EUA temem pela proteção de Israel e de seus aliados árabes na região, além da aproximação de Mahmud Ahmadinejad com países como China e Rússia. ¿O Irã tem, desde o começo, desconfiado da intenção americana de derrubar o regime de Teerã e destruir a sua essência islâmica. Washington, por outro lado, acredita que uma República Islâmica forte será uma entidade perigosa e, por isso, deve ser mantida fraca e aleijada por todos os meios, incluindo sanções¿, opina. Para o especialista, uma solução ¿mutuamente aceitável¿ será extremamente difícil, já que tanto os EUA como o Irã têm uma ¿mentalidade imperial¿. ¿Eles veem uma atitude de comprometimento do outro lado como um sinal de fraqueza e como uma oportunidade para extrair mais concessões¿, afirma Amirahmadi. Ele acredita, no entanto, que o acordo assinado com Brasil e Turquia mostra que Teerã está mais interessado agora no diálogo do que Washington, que insiste nas sanções.

Ganhar tempo O professor da Universidade de Brasília (UnB) Eduardo Viola, por sua vez, vê uma resistência maior do lado iraniano. ¿Com este governo iraniano atual, não haverá acordo. O que eles querem é ganhar tempo até desenvolver a bomba nuclear, pois sua intenção é colocar o `inimigo¿ para fora¿, opina. Viola, contudo, observa que alterações na estrutura política do Irã poderiam facilitar o diálogo com o Ocidente, já que ¿há forças no Irã que querem a mudança¿. ¿É um país que pode mudar muito, mas o ponto chave está na dinâmica interna da sociedade iraniana.¿ Para ele, o presidente americano, Barack Obama, até tentou manter uma linha mais ¿moderada¿ em relação a Teerã, mas teve que ¿endurecer¿ por conta da forte pressão republicana em ano de eleições legislativas. William Allen, professor da Universidade Estadual de Michigan, acredita que o ponto que mais dificulta uma saída negociada é a pressão de Israel. ¿O fato importante é a questão do risco de um ataque de Israel a instalações nucleares iranianas. O Irã só entrará em um acordo com a garantia de que não haverá tal ataque, e isso não será feito¿, afirma. ¿Além disso, qualquer acordo que agrade ao Irã minará a relação com Israel. E o Irã sabe disso¿, completa. Na opinião de Allen, o governo Obama ¿deseja desesperadamente um acordo e o diálogo¿, mas é impedido pela própria dinâmica do Departamento de Estado. ¿Se essa for uma escolha forçada entre o apoio a Irã ou Israel, o Irã vai perder, porque a política dos EUA é limitada, especialmente pela figura de Hillary Clinton.¿